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Mutações no coronavírus: veja respostas para dúvidas sobre impacto na vacina, 2ª onda e reinfecção

A Dinamarca anunciou, na quinta-feira (19), que a mutação no novo coronavírus (Sars-CoV-2) achada em visons no país foi "possivelmente erradicada". No início

Mutações no coronavírus: veja respostas para dúvidas sobre impacto na vacina, 2ª onda e reinfecção
Mutações no coronavírus: veja respostas para dúvidas sobre impacto na vacina, 2ª onda e reinfecção

Redação Publicado em 21/11/2020, às 00h00 - Atualizado às 12h22


O que é uma mutação? Ela aumenta a chance de ter Covid-19 mais de uma vez? O vírus fica mais perigoso quando sofre uma mutação? Veja essas e outras perguntas.

A Dinamarca anunciou, na quinta-feira (19), que a mutação no novo coronavírus (Sars-CoV-2) achada em visons no país foi “possivelmente erradicada”. No início do mês, o país havia comunicado que a variante do vírus encontrada nos animais tinha infectado seres humanos.

Mas o que isso significa? As mutações tornam o vírus mais perigoso ou mais resistente às vacinas que estão sendo desenvolvidas contra ele?

Nesta reportagem, você vai poder tirar dúvidas sobre essas e outras perguntas sobre mutações:

  1. O que é uma mutação? Como ela ocorre? Por quê?
  2. O Sars-CoV-2 muta frequentemente?
  3. As mutações aumentam as chances de reinfecção?
  4. Com as mutações, o vírus fica mais fácil de transmitir?
  5. As mutações tornam o vírus mais perigoso?
  6. As mutações fazem o vírus resistir às vacinas?
  7. A segunda onda na Europa está sendo causada por uma mutação?
  8. O que se sabe sobre a mutação achada nos visons na Dinamarca?

1. O que é uma mutação? Como ela ocorre? Por quê?

Uma mutação é uma mudança que pode ocorrer em qualquer código genético, inclusive no do novo coronavírus.

Ela ocorre de forma acidental e aleatória, quando o vírus erra ao replicar (reproduzir) o seu próprio genoma.

Como acontecem ao acaso, essas mudanças não são, necessariamente, vantajosas para o vírus (o que se chama de “vantagem adaptativa”). Ou seja: nem tudo o que muda no material genético dele vai beneficiá-lo. Na verdade, pode até prejudicar a sua replicação.

Um desses prejuízos pode ter ocorrido, por exemplo, com o Sars-CoV-1, da epidemia da década de 2000. Uma mutaçãoanalisada por cientistas da Alemanha em um estudo de 2018, publicado na revista científica “Nature”, mostrou ter diminuído a velocidade de replicação do vírus. Em outras palavras, a “versão” modificada se reproduzia mais devagar do que a original.

Por outro lado, uma mutação pode, também, acabar sendo benéfica para o vírus. Pode ajudá-lo, por exemplo, a se espalhar mais rápido. (Veja detalhes mais abaixo).

2. O Sars-CoV-2 muta frequentemente?

Não. O novo coronavírus muda de forma lenta:o genoma do Sars-CoV-2 costuma sofrer duas mudanças de uma letra cada por mês. (O código genético é “escrito” com quatro letras, que mudam dependendo do tipo de código – DNA ou RNA).

Essa taxa é cerca de metade da dos vírus da família Influenza e um quarto da do vírus HIV, explicou a epidemiologista molecular Emma Hodcroft, na Universidade de Basel, na Suíça, em uma entrevista à revista “Nature”.

No caso do vírus HIV, por exemplo, a alta taxa de mutações que ele sofre é um dos motivos para uma vacina não ter sido criada até hoje. Para o novo coronavírus, o problema é que não sabemos quanto tempo dura a imunidade a ele.

3. As mutações aumentam as chances de reinfecção?

Depende da mutação. Mas a ciência ainda não sabe exatamente quais delas podem ajudar na reinfecção.

O virologista Eduardo Flores, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, explica que esse cenário ainda é “muito teórico”.

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“Em tese, à medida que ele [o vírus] vai circulando na população, quanto mais for acumulando mutações, mais diferente vai ficar. Então, em tese, sim. Quanto mais mutações ele fizer, quanto mais diferente ele ficar do vírus original, a probabilidade de reinfecção aumenta. Mas isso é teórico, e, na verdade, [é] sobretudo quando houver mutações naquelas proteínas que o sistema imune faz uma resposta imunológica”, explica.

“Se ele mudar naquelas proteínas, aí, sim, pode haver um risco maior de reinfecção. Mas mutações em outros locais do genoma, em tese, não aumentariam o risco de infecção. Mas isso ainda é muito teórico”, afirma.

O primeiro caso de reinfecção confirmado no mundo, publicado em revista científica, foi o de um paciente de Hong Kong. Cientistas sequenciaram o código genético das duas “versões” do vírus, viram que eram diferenetes e puderam, assim, concluir que ele tinha sido infectado duas vezes.

“Essa detecção de mutações nos vírus que reinfectaram não quer dizer, necessariamente, que é por causa dessas mutações que ele foi capaz de reinfectar”, explica Eduardo Flores, da UFSM.

“Simplesmente foi um jeito que eles acharam de provar, demonstrar inequivocamente, que aquele vírus da segunda infecção é um pouquinho diferente do primeiro. Mas não que essas mutações tenham alguma coisa a ver com a capacidade de reinfecção”, diz.

4. Com as mutações, o vírus fica mais fácil de transmitir?

Como visto no caso do Sars-CoV-1, depende da mutação.

Uma pesquisa publicada na quinta-feira passada (12) na revista científica “Science” apontou que a variante D614G do Sars-CoV-2 se replicava cerca de 10 vezes mais rápido e era mais infecciosa (mais fácil de ser transmitida).

Só que ela não é nova.

“Essa mutação D614G, que apareceu na ‘Science,’ surgiu na China, acho que em fevereiro, e, aos poucos, metade dos casos passaram a ter essa mutação. Aqui no Brasil a epidemia já começou com a mutação, então 95% das pessoas já têm essa mutação”, explica Ester Sabino, médica e cientista da Faculdade de Medicina da USP. A equipe da pesquisadora sequenciou, em tempo recorde, o código genético do novo coronavírus quando ele chegou ao Brasil, em março (veja vídeo).

Quem são as brasileiras que sequenciaram o genoma do novo coronavírus

Quem são as brasileiras que sequenciaram o genoma do novo coronavírus

Na pesquisa da “Science”, os cientistas usaram hamsters como cobaias – que eram infectados com a versão “original” do vírus ou com a versão mutada. Depois, eles eram colocados em gaiolas.

No dia seguinte, 8 hamsters saudáveis (não infectados) eram colocados em gaiolas ao lado dos animais infectados com cada um dos vírus. Havia uma divisória entre eles, de forma que eles não podiam encostar um do outro, mas havia circulação de ar entre as gaiolas.

Ambas as “versões” do vírus foram transmitidas pelo ar, mas a velocidade foi diferente:

  • No caso do vírus original, dois dias depois da exposição dos hamsters saudáveis, nenhum estava infectado. Quatro dias depois da exposição, todos estavam.
  • No caso do vírus mutante, entretanto, dois dias depois da exposição, 5 dos 8 hamsters já estavam contaminados.

“Vimos que o vírus mutante transmite melhor pelo ar do que o vírus [original], o que pode explicar por que esse vírus é dominante em humanos”, explicou o virologista Yoshihiro Kawaoka, pesquisador da Universidade de Wisconsin em Madison, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. A equipe de Wisconsin trabalhou em conjunto com os cientistas da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, também nos EUA.

Ester Sabino, da USP, explica que o fato de a variante D614G se espalhar mais rápido fez com que se tornasse mais dominante. Ou seja: que aparecesse mais do que as outras.

“Ela ganha dias de vantagem na transmissão”, explica Sabino.

5. As mutações tornam o vírus mais perigoso?

Não necessariamente. Como ocorrem ao acaso, as mutações não necessariamente trabalham “a favor” do vírus. E, no caso do Sars-CoV-2, não há nenhum indício, até agora, de que as mutações pelas quais ele passou o tenham tornado mais perigoso no sentido de causar uma doença pior.

No caso da variante D614G, por exemplo, os pesquisadores não viram sintomas respiratórios piores nos hamsters e camundongos infectados com ela em relação ao vírus “original”.

Segundo Ester Sabino, ainda não há nenhuma variante do Sars-CoV-2 conhecida pela ciência que esteja causando sintomas piores do que outras nas pessoas.

6. As mutações fazem o vírus resistir às vacinas?

Como as vacinas funcionam?

Como as vacinas funcionam?

De novo, não necessariamente. No caso da D614G, por exemplo, os cientistas apontaram que ela foi neutralizada de forma similar por anticorpos quando comparada ao vírus original.

“Esses dados também sugerem que as abordagens atuais de vacinas direcionadas contra (…) o vírus selvagem [original] devem ser eficazes contra as cepas D614G”, dizem os pesquisadores no estudo.

Uma vacina tem como objetivo induzir o corpo a produzir anticorpos contra o invasor. No caso dos vírus, para cumprir essa missão, o imunizante pode ter o vírus inteiro (mas inativado ou atenuado), pedaços ou proteínas dele ou informações genéticas.

Com isso, o corpo consegue montar uma defesa, e, se entrar em contato com o vírus “de verdade”, pode se defender contra ele.

7. A segunda onda na Europa está sendo causada por uma mutação?

No fim de outubro, cientistas de vários institutos e universidades na Suíça e na Espanha afirmaram ter identificado uma nova variante do novo coronavírus na Europa – mas não souberam dizer se o aumento de casos no continente estava relacionado a isso.

Na quarta-feira (18), o vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, afirmou que não é verdade que a segunda onda de casos na Europa esteja relacionada a uma mutação no coronavírus.

“As condições na Europa relacionadas com a segunda onda são as mesmas que tínhamos antes – foi a abertura da economia, a convivência das pessoas em espaços fechados, o verão, as viagens, tudo o que sabemos muito bem”, disse Barbosa.

8. O que se sabe sobre a mutação achada nos visons na Dinamarca?

No dia 5 de novembro, autoridades dinamarquesas relataram 12 casos de Covid-19 em humanos causados por uma variante única do novo coronavírus que não havia sido documentada antes. A mutação foi associada aos visons, animais que são criados em grande quantidade no país para a fabricação de casacos de pele.

Visons são vistos em gaiolas em fazenda em Næstved, no centro-oeste da Dinamarca, nesta sexta-feira (6). — Foto: Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP

Visons são vistos em gaiolas em fazenda em Næstved, no centro-oeste da Dinamarca, nesta sexta-feira (6). — Foto: Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP

Testes em laboratório feitos na Dinamarca indicaram que essa mutação pode ter reduzido a resposta do vírus a anticorpos neutralizantes – mas os achados são preliminares e mais estudos estão em andamento para confirmá-los.

Desde junho, 214 casos de Covid-19 foram identificados no país com variantes do Sars-CoV-2 associadas a visons cultivados, incluindo os 12 casos com a variante única.

As autoridades dinamarquesas decidiram, depois de detectar a variante, sacrificar todos os 12 milhões de visons no país, temendo que a mutação pudesse tornar uma vacina contra o coronavírus ineficaz.

Ester Sabino alerta, entretanto, que apenas um estudo não é suficiente para concluir que a versão modificada do vírus vai ser resistente a uma vacina.

“Às vezes a gente vê uma coisa in vitro [em laboratório] e precisa de mais dados. Normalmente, a ciência nunca vai se basear num estudo só. O mais provável é que vai fazer [um estudo] em animal. Acho que esse seria o melhor estudo para, realmente, provar que a vacina não funciona para esse vírus”, explica a cientista.

Um segundo estudo, feito por pesquisadores na Holanda – que também ordenou o abate de visons em junho – mostrou uma mutação na proteína do vírus que se liga ao receptor humano. Mas a mutação não continuou a se espalhar, e não foi vista desde então, declarou um dos autores do estudo em entrevista à revista “Science” na semana passada.

“De qualquer forma, não é uma boa coisa um outro animal, uma outra espécie, se infectar – porque podem, naquele animal, começar a surgir outras mutações, ou esse vírus recombinar com outros vírus que estão na natureza”, diz Ester Sabino.

Em julho, a Espanha também havia anunciado o sacrifício de quase 100 mil visons infectados com o Sars-CoV-2. Na quinta-feira (19), a Irlanda também anunciou que vai sacrificar visons por medo de mutações no vírus.

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G1

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