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Minhocão completa 50 anos com arte, lazer e incertezas sobre futuro

Neste ano, o Elevado João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão, completa 50 anos de inauguração. O viaduto foi inaugurado pelo então prefeito Paulo

Minhocão completa 50 anos com arte, lazer e incertezas sobre futuro
Minhocão completa 50 anos com arte, lazer e incertezas sobre futuro

Redação Publicado em 28/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h15


Antena Paulista mostra os três mundos presentes no Minhocão: as memórias de moradores antigos, a realidade de quem mora embaixo do viaduto e o lazer do parque no fim de semana.

Neste ano, o Elevado João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão, completa 50 anos de inauguração. O viaduto foi inaugurado pelo então prefeito Paulo Maluf, em 25 de janeiro de 1971, como um dos “presentes” de aniversário que a cidade recebeu.

A proposta inicial foi planejada em 1968 para ligar a região central à zona oeste em um momento de profunda urbanização e expansão rodoviária do estado de São Paulo. O projeto foi construído em menos de dois anos e, desde a sua inauguração, dividiu opiniões. Moradores de prédios próximos ao elevado se sentiram invadidos pela proximidade e reclamavam também do barulho.

Com o tempo, o espaço foi se transformando e hoje contempla três principais realidades: o Minhocão viário e dos moradores, o Parque Minhocão dos fins de semana e o Minhocão da parte de baixo com muitos estabelecimentos, um terminal e muitas famílias morando em barracas.

Carros no elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, na região Central de São Paulo. — Foto: Marcelo D. Sants/Estadão Conteúdo

Carros no elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, na região Central de São Paulo. — Foto: Marcelo D. Sants/Estadão Conteúdo

O que contam os moradores

JC Neto mora há aproximadamente 10 anos em frente ao Minhocão. O apartamento dele, no primeiro andar do prédio, fica na altura do elevado e se transformou em palco de manifestações artísticas. Ele é pintor e aproveita a varanda próxima ao Minhocão para expor o seu trabalho e se inspirar.

“Aí em cima tem o médico, o dentista, o gari, tem o policial que passa, tem o menino de rua que para pra ver os trovadores tocando aqui. Então é uma diversidade cultural que existe lá fora”, ele conta.

Parque Minhocão, na região central da capital, é aberto aos pedestres aos domingos e feriados — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Parque Minhocão, na região central da capital, é aberto aos pedestres aos domingos e feriados — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Um dos grupos que ele já recebeu no terraço do apartamento foram os Trovadores Urbanos. Maída Novaes, uma das fundadoras do grupo, conta que se apresentar ali é uma experiência de conexão artística.

“O Minhocão, pra mim, é um gigante de pedra com muita poesia porque eu tenho um olho pro Minhocão muito amoroso. Eu sou aquela maluquinha que andou, andou, andou pelo Minhocão procurando janelas. Eu acho lindo a possibilidade da gente andar de bike, caminhar de domingo. Eu acho que o Minhocão é uma poesia no meio dessa loucura toda”, diz Maída.

Mas nem todos concordam com o espaço de lazer nos fins de semana. Francisco Gomes Machado mora há 21 anos próximo ao elevado e dirige o Movimento Desmonte Minhocão. Uma das iniciativas do grupo é o pedido de demolição e desmonte da estrutura porque, segundo o movimento, o Minhocão trouxe transtornos para a região, como a falta de segurança e poluição sonora e do ar.

“O meu prédio tem esse afastamento do Minhocão porque tem a estação do Metrô e o estacionamento. E, apesar disso, nós sofremos muito com a poluição, o barulho, a falta de segurança”, conta.

O barulho também esteve presente há 50 anos durante a construção do elevado. É o que lembra Gabriella de Paulis, moradora há quase 60 anos de um dos edifícios mais antigos da Santa Cecília. Ela foi testemunha ocular da construção do elevado e se recorda: “Eu lembro que começaram a furar e fazia barulho a noite inteira. Era o dia inteiro, a noite inteira o barulho. Um dia gritei da janela”, lembra Gabriella.

Mas, apesar disso, ela conta que ama morar em meio à agitação. “Eu adoro abrir a janela e ver o movimento de manhã. Aqui é um bairro maravilhoso. Eu estou acostumada, moro aqui desde 63 e daqui eu não saio.”

Grafite do artista Zezão no Minhocão, na região Central de São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

Grafite do artista Zezão no Minhocão, na região Central de São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

Arte no Minhocão

Nos últimos anos grafiteiros e artistas usaram os enormes prédios que ficam no entorno do Minhocão como tela de arte. Produtores culturais como o “artivista” Kleber Pagú e a bailarina Fernanda Bueno fazem uma curadoria e chamam muitos desses grafiteiros para expor os trabalhos deles.

“O Minhocão é onde eu tenho conseguido vivenciar uma verdadeira transformação na cidade a partir apenas de uma ideia. Porque nada está sendo construindo no ponto de vista da construção física. Você não está construindo nenhum prédio, você não está construindo nenhuma tela. As telas já estão aí, os prédios já estão aqui, o viaduto já está aqui. A única coisa que está sendo mudada é o pensamento sobre esses lugares”, explica Pagú.

A produtora cultural Fernanda Bueno acredita que a experiência do Minhocão se torna mais democrática e plural com essa intervenção artística. “Além de ser a nossa praia, de ser um lugar onde a gente vem tomar um sol, vem andar, vem correr, vem encontrar os amigos agora que a gente tá podendo se encontrar. Sendo um espaço público, um espaço aberto e uma galeria de arte em diálogo com todos esses outros modos de ocupar esse espaço”, diz Fernanda.

A realidade da parte de baixo

Ao longo das 60 pilastras que fazem parte da estrutura do Minhocão, também há vários grafites, mas todos eles estão tomados pela sujeira, por propaganda, lambe-lambe e aí fica muito mais difícil apreciar a arte.

Andando de um lado até o outro do Minhocão existem mais de 40 barraquinhas. Muita gente acaba aproveitando essa estrutura para se proteger da chuva e morar embaixo delas. Uma das barracas que mais se destacam é uma “casa suspensa” no trecho da Rua Amaral Gurgel. Debaixo do viaduto moram pessoas há muito tempo.

É o caso do catador Edvaldo dos Santos: “Eu tenho 39 anos, eu moro aqui no Minhocão, Amaral Gurgel, há 10 anos. Morar debaixo do Minhocão é uma área de risco porque aqui tem várias populações que passam e você não sabe se vão mexer com você por maldade ou para ajudar”.

Edvaldo mora com a esposa e cuida do Vagner, também catador, que está se recuperando de uma cirurgia. “O que eu vejo de bom aqui embaixo são as pessoas. Às vezes é perigoso, eles podem de roubar, mas você tem que ficar na sua”, conta Vagner da Silva Menezes.

Diariamente é possível encontrar pessoas que tentam ajudar quem mora na rua. Patrícia Burgos, bacharel em Direito, e o marido servem lanche e café quente. “Eu passo aqui sempre e eu vejo eles pedindo. Eu peguei dinheiro meu, fui no supermercado, comprei pão, comprei leite, comprei café, comprei ovo, fiz em casa e vim distribuir pra eles”, ela conta.

Um trecho interessante da parte de baixo do Minhocão é o Terminal Amaral Gurgel. As características do Minhocão mudam totalmente e, de repente é possível vivenciar uma calmaria que só é rompida quando passa um ônibus. No terminal, passam apenas cinco linhas: duas vão para a Zona Norte e três para a Zona Sul de São Paulo. Passageiros e moradores contam que, durante a madrugada, a estrutura do terminal é usada também para abrigar moradores que vivem em outras partes do elevado.

O lazer no fim de semana

Desde 2016 o elevado fecha aos fins de semana e se transforma no Parque Minhocão. Aos sábados e domingos, é possível encontrar pessoas tomando sol, correndo, fazendo exercícios e passeando com o cachorro.

Além disso, a prefeitura monta bancos e estruturas de madeira para que as pessoas possam se sentar e conviver no elevado. “Eu gosto de me arrumar para vir aqui. Fiz até um trabalho sobre o Minhocão falando dos grafites do Nelson Mandela e de um peixe”, conta Valerie Trevisan Smith, de 11 anos, que anda de patins nos fins de semana com a mãe.

Outro destaque é Ágata, que acena para todos que passam pelo Minhocão. A bebê de oito meses ri e acena para todo mundo da janela de um apartamento na altura do elevado.

“A gente não imaginava esse sucesso todo não. Todo mundo que passa ali no Minhocão resolve mexer com ela, todos passam, e ela chama a atenção, o pessoal dá tchau, ela responde, sorri, brinca”, conta o pedreiro Marcos Ferreira Costa, pai da Ágata.

Além da bebê, uma surpresa inesperada é o galo Pepê andando pelo elevado. A estudante Ingrid Aguiar ganhou o galo de estimação e aproveita para passear com ele. “O Pepê já acostumou e virou uma celebridade. Todo mundo na Barra Funda conhece o galo Pepê”, ela conta.

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G1

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