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Meninas que representaram Brasil em mundial de matemática contam como é ser exceção em olimpíada

Apenas sete meninas representaram o Brasil na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês) desde que o país fez sua estreia na disputa em

Meninas que representaram Brasil em mundial de matemática contam como é ser exceção em olimpíada
Meninas que representaram Brasil em mundial de matemática contam como é ser exceção em olimpíada

Redação Publicado em 18/07/2017, às 00h00 - Atualizado às 09h36


Apenas sete meninas representaram o Brasil na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês) desde que o país fez sua estreia na disputa em 1979. Elas fizeram dez participações, enquanto os meninos foram 209 vezes às competições. Neste ano, a IMO ocorre pela primeira vez no Brasil, no Rio de Janeiro, desde segunda-feira (17). E assim como nos últimos quatro anos, não há nenhuma competidora na delegação brasileira.

Nesta 58ª edição do mundial, haverá a estreia de um prêmio exclusivo às mulheres que mais contribuírem com o resultado de suas equipes. A ideia é incentivar a participação feminina.

Para compor a equipe, é preciso encarar etapas em outras esferas, como a olimpíada brasileira. As meninas que fizeram história, no entanto, descartam estereótipos como “heroínas” ou “gênias”, e acreditam mais em estímulo e oportunidade. O G1 conversou com três ex-representantes da competição internacional (veja o vídeo acima com o depoimento de duas delas).

“Quando você fala em super-herói parece que tem de nascer com um superpoder para conseguir algo. Acho que todo mundo nasce com a capacidade de fazer o que quiser. A diferença é que nem todo mundo tem oportunidade. Não é porque é mulher que fica fadada a nunca ser boa em alguma coisa”, diz Deborah Alves, de 24 anos, que participou da IMO em 2010 e 2011.

Da experiência internacional, ela lembra que a presença das meninas era rara, mas que não se sentia desconfortável, pois se acostumou com a situação. Ela conta que enquanto meninos do grupo ficavam no mesmo quarto, ela, como única garota, tinha de ir para o alojamento feminino e dividir quarto com competidoras de origens diferentes. “No fim, era divertido porque era a forma mais fácil de conhecer pessoas de outros países.”

Deborah se formou em ciência da computação e matemática pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e voltou recentemente ao Brasil para criar sua empresa de tecnologia em São Paulo. Ela diz que sempre foi estimulada a gostar de ciências exatas, mas sabe que pode ser uma exceção.

“Tive muita sorte, meu pai era engenheiro, meu irmão é engenheiro. Herdei os legos do meu irmão, fazia aula de robótica. Tive apoio dos pais, dos amigos e do colégio. Não é com todo mundo que acontece isso”, Deborah Alves

Deborah Alves, de 24 anos, se formou em computação e matemática em Harvard (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

Deborah Alves, de 24 anos, se formou em computação e matemática em Harvard (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

Duas meninas em 2011

Em 2011, na competição realizada em Amsterdam, Deborah contou com a companhia de Maria Clara Mendes na equipe brasileira. Foi a primeira vez que duas garotas integraram o grupo de seis estudantes. Maria Clara também esteve na IMO de 2012 e lembra que se incomodava em ser a única mulher do grupo naquele ano.

“Os meninos acabam te excluindo das rodinhas de conversas e brincadeiras e isto, para uma adolescente, é um ótimo sinal para ‘correr para as colinas’. Não é de propósito que eles fazem isso, é uma consequência de cometermos o erro de ensinar as crianças a socializarem mais com o próprio gênero”, diz Maria Clara Mendes.

Maria Clara, hoje com 22 anos, cursa doutorado em matemática no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), mas por pouco não desistiu da carreira. “Depois da minha última IMO como única mulher da equipe, fiquei decidida a não seguir de maneira alguma uma carreira onde houvessem poucas mulheres. Por sorte, outros fatores fizeram com que eu revesse essa decisão.”

Para ela, o ambiente das exatas é “pouco acolhedor para as mulheres” e aquela situação que viveu na adolescência se repete na carreira acadêmica de matemática. “É muito mais difícil fazer amigos e se incluir no ambiente de pesquisa quando se é uma mulher.”

Ela acredita que desde a infância perpetua-se o mito de que meninos são melhores no mundo das contas. “Muitas vezes isso é feito de maneira extremamente subjetiva e até mesmo inconsciente: um comentário machista aqui, uma cobrança maior ali. Até mesmo professoras reproduzem esses padrões, pois não é um problema individual e sim da sociedade como um todo.”

A engenheira Daniele Veras, de 36 anos, participou da IMO em 1998, em Taiwan (Foto: Andressa Gonçalves/ G1)

A engenheira Daniele Veras, de 36 anos, participou da IMO em 1998, em Taiwan (Foto: Andressa Gonçalves/ G1)

‘Prova não tem gênero’

Daniele Veras de Andrade, de 36 anos, esteve na IMO de 1998, em Taiwan. Depois disso fez graduação no Instituto Militar de Engenharia (IME), instituição altamente concorrida e prestigiada ligada ao Exército Brasileiro. Para ela, os homens estão mais presentes nas ciências exatas porque são mais estimulados.

“Fui estimulada pelo meu pai a gostar de matemática desde cedo, então, eu não pensava que eu era uma exceção. Na verdade, eu descobri que eu era uma exceção sendo. Eu sei que têm menos mulheres fazendo matemática, não só no Brasil, no mundo. Mas na matemática em si, a prova não escolhe o gênero, é gosto pessoal mesmo”, afirma Daniele Veras.

Na IMO, ela diz, que foi o lugar onde menos foi vítima de machismo. “Os meninos tinham curiosidade de conhecer as meninas que estavam lá. Na Olimpíada eu acho que foi o lugar que eu senti menos machismo. É de igual pra igual. Eu fiz ballet também, fiz outras coisas, tradicionalmente mais femininas, mas também fui estimulada a ser o que eu quisesse.”

Daniele Veras, na época com 17 anos, com a delegação brasileira que participou da IMO 1998, em Taiwan (Foto: Arquivo pessoal)

Daniele Veras, na época com 17 anos, com a delegação brasileira que participou da IMO 1998, em Taiwan (Foto: Arquivo pessoal)

Só 10% de mulheres

A IMO ocorre todos os anos desde 1959 em um país diferente, exceto em 1980, e pela primeira vez, neste ano, será realizada no Brasil. Os competidores precisam resolver problemas desafiadores em dois dias consecutivos. A baixa participação feminina, no entanto, é histórica e notada em todos os países.

Neste ano, o mundial vai reunir 623 estudantes de 112 países. Destes, só 65, ou seja, 10% são do sexo feminino. No ano passado, de um total de 602 competidores que estiveram em Hong Kong, havia 71 mulheres. Até 1987, o número de meninas na competição era menos de dez.

O Brasil só começou a participar da IMO, 20 anos depois de sua criação em 1979. A primeira garota a integrar uma delegação brasileira foi Leda Braga, em 1983. Hoje Leda comanda um poderoso fundo de investimento internacional.

Segundo o coordenador da IMO 2017, Edmilson Motta, é muito difícil ver um país ter metade da equipe formada por mulheres. “É difícil entender os motivos dessa baixa participação. Vem em um pacote bastante confuso que inclui preconceito, falta de oportunidade e estímulo. Hoje há ações que buscam minimizar isso, mas o caminho é longo.”

No total, o Brasil participou 37 vezes de uma Olimpíada Internacional de Matemática. Foram nove medalhas de ouro, 41 de prata, 72 de bronze e 29 menções honrosas. A IMO é organizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Equipe da IMO 2011 em Amsterdã: havia duas mulheres na época, Deborah e Maria Clara (Foto: Arquivo pessoal)

Equipe da IMO 2011 em Amsterdã: havia duas mulheres na época, Deborah e Maria Clara (Foto: Arquivo pessoal)

 (Foto: Arte/ G1)

(Foto: Arte/ G1)

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