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Marcus Vinicius de Freitas – Venezuela: o maior desafio regional do Brasil

A conjuntura venezuelana é complicada porque já, há muito tempo, que o escalão superior daquele Estado deteriorou todas as instituições democráticas

Marcus Vinicius de Freitas – Venezuela: o maior desafio regional do Brasil
Marcus Vinicius de Freitas – Venezuela: o maior desafio regional do Brasil

Redação Publicado em 29/07/2020, às 00h00 - Atualizado às 14h12


Venezuela: o maior desafio regional do Brasil

A conjuntura venezuelana é complicada porque já, há muito tempo, que o escalão superior daquele Estado deteriorou todas as instituições democráticas existentes antes do período Chavez. Quando o Brasil poderia, de fato, ter tido algum papel de maior relevância, o País era administrado por simpatizantes daquele tipo de liderança política, sua metodologia de permanência no poder e até mesmo seu modus operandi

A situação se deteriorou a tal ponto que, como uma bomba-relógio, caiu na mão do atual governo do Presidente Jair Bolsonaro a necessidade de uma resolução definitiva. No entanto, qualquer que venha a ser a opção, a solução a ser adotada requer prudência e estratégia. Prudência porque, de fato, a intervenção em outros países não tem sido parte da tradição brasileira – inclusive por vedação constitucional – e também por orçamentos limitados tanto na área de Defesa como de Politica Externa. Além disso, qualquer alternativa requer estratégia, uma análise aprofundada do impacto de qualquer atuação no curto, medio e longo prazos. E estratégia é uma coisa que não sabemos fazer.

Os países que fazem parte do Grupo de Lima, de alguma forma, esperam que os norte-americanos assumam, uma vez mais, a parte difícil da intervenção, para, posteriormente, criticar-lhe a ação. Os Estados Unidos, no entanto, não têm interesse numa intervenção, particularmente considerando o histórico negativo do seu envolvimento no Iraque e no Afeganistão. Os Estados Unidos aprenderam a lição de que a intervenção, por menor que seja, gera a obrigação de assumir, por um tempo indeterminado, o controle e a manutenção do local da intervenção, além do seu direcionamento governamental. A quebra do “status quo” implica a obrigação do gerenciamento a posteriori.Quando essa assunção de responsabilidades não ocorre e se deixa o pais à própria sorte, temos resultados como a calamitosa situação da Líbia, que serve como lição fundamental de erro da ação equivocada e da inação, uma vez que os países interventores simplesmente abandonaram aquele pais à deriva

O cenário da Venezuela deixou de ser uma questão meramente política – como apregoam alguns – mas sim uma questão ética, que é fundamental para o futuro da própria América Latina. O Brasil tem persistentemente errado nas estratégias aplicadas até agora: apoiou Chavez, como fizeram FHC e Lula, ou ainda Maduro, como fez Dilma. O Governo Temer pretendeu endurecer, ainda que de maneira capenga, o posicionamento do Brasil, porém sem exercer efetiva liderança para alterar o rumo da situação. E o atual governo Bolsonaro, ao aliar-se, automaticamente, aos Estados Unidos, perdeu uma possível isenção que lhe permitisse agir como mediador na crise. Apesar desse alinhamento, o Brasil até agora não adotou sanções econômicas efetivas contra a Venezuela e conseguiu o pior dos dois mundo: desqualificou-se como interlocutor e também como possível efetivo agente de mudança, permanecendo no discurso e na bravata, e não em ações efetivas, perdendo uma oportunidade importante que o legitimaria como líder efetivo regional e global.

Enquanto isso, milhares de pessoas estão passando fome, sofrendo com o COVID-19, morrendo e sem perspectiva de futuro na Venezuela. O processo de transição – representado por Juan Guaidó – não ocorrerá se não houver a adoção de medidas mais intensivas contra o regime de Maduro. Guaidó, apesar do apoio internacional, vem de um partido de centro-esquerda, o Vontade Popular, que tem baixa representatividade na Assembléia Nacional e no país, o que não lhe dá a alavancagem necessária para negociar efetivamente com aqueles que deveriam abandonar Maduro, porém não encontram perspectivas positivas com Guaidó e após o período intermediário dele na presidência.

Como Guaidó será um presidente-temporário, certamente restam dúvidas aos Maduristas-Chavistas, encastelados em toda a Administração do Estado Venezuelano se os governos que sucederem a Guaidó cumprirão, de fato, os termos de anistias eventualmente negociadas no processo. Neste sentido, o revisionismo da Argentina e das Comissões de Verdade geram enorme desconfiança por parte daqueles que, atualmente, desfrutam das benesses do poder.

Ademais, inexistem efetivas garantias de que a situação pós-Maduro irá, de fato, melhorar a Venezuela. Afinal, o exemplo negativo da Primavera Árabe, como no caso do Egito, em que se elegeu um radical, o que ensejou posteriormente um golpe de estado com o retorno dos militares ao governo, sem expectativas de alternância no poder, ressoa como uma possibildade que não pode ser afastada. 

Caberia ao Brasil, portanto, reavaliar o seu posicionamento estratégico e colocar todas as cartas na mesa: mapear os principais lideres do Madurismo, impor sanções a estes indivíduos e oferecer-se para atuar como Mediador, com os devidos instrumentos para aportar resultados efetivos. Além disso, prover de recursos financeiros para o fluxo crescente de migrantes venezuelanos na fronteira do Brasil. Para isso, terá de abandonar o discurso ideológico, atualmente impregnado na Administração Bolsonaro, e utilizar-se do pragmatismo para alcançar resultados. É preciso estar preparado para ser líder.

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