Diário de São Paulo
Siga-nos

Marcus Vinicius de Freitas: Uma potência chamada China

Nos últimos tempos, alguns têm criticado, sem fundamento, a China, em função do Covid-19 e seu impacto global. Permeia uma enorme falta de conhecimento

Marcus Vinicius de Freitas: Uma potência chamada China
Marcus Vinicius de Freitas: Uma potência chamada China

Redação Publicado em 28/10/2020, às 00h00 - Atualizado às 06h57


Uma potência chamada China

Nos últimos tempos, alguns têm criticado, sem fundamento, a China, em função do Covid-19 e seu impacto global. Permeia uma enorme falta de conhecimento coletivo quanto àquilo que vem ocorrendo naquele país há décadas. Observa-se, ainda, uma campanha internacional, por parte do governo norte-americano, muito semelhante ao período da Guerra Fria, numa tentativa de utilizar-se de uma narrativa negativa para, de alguma forma, frear o crescimento chinês.

A realidade é que, nos últimos 40 anos, através do seu processo de Reforma e Abertura, a China logrou, com muito esforço e competência, alcançar aquilo que era inesperado: um país em desenvolvimento transformar-se na maior potência econômica global. Em termos de paridade do poder de compra (PPP), a China já ultrapassou os Estados Unidos há alguns anos. E é na PPP que vemos, na realidade, a riqueza de um país.

A ascensão da China transformará o mundo de duas maneiras fundamentais. Em primeiro lugar, por tratar-seum país de mais de 1.3 bilhão de pessoas, que tem crescido, em média, 10% nos últimos trinta anos. Em segundo, porque, pela primeira vez na História Moderna, o país principal do sistema global será um país subdesenvolvido e do Oriente, e não do Ocidente, com raízes civilizacionais diferentes daquelas que conhecemos. E a China não se ocidentalizará em razão de sua longa história, cultura e tradição.

A identidade chinesa não advém de seu período como estado-nação. A China é um estado-civilização, o que é refletido em seu culto aos valores ancestrais, relacionamentos sociais e o mérito do Confucionismo. Afunção do governo chinês é a preservação dessa civilização, que vive num país extremamente diversificado, pluralístico e descentralizado, apesar de a identidade Han, que constitui a maior parte da população, ser o cimento que mantém o país unificado.  Impera no país, como seu valor político mais importante a unidade para a manutenção da civilização chinesa.  Enquanto o Império Romano foi subdividido em vários pedaços, a China, apesar de todas as invasões e humilhações impostas por potências estrangeiras, manteve sua integridade e identidade preservadas.

No Ocidente, a autoridade e legitimidade do Estado derivam da democracia, que, nos últimos anos, tem-se caracterizado mais pelo binômio “escolha e arrependimento” do que qualquer coisa. O Estado chinês goza de maior legitimidade e autoridade do que qualquer outro país do Ocidente. Por mais de mil anos, o Estadochinês não tem sofrido nenhuma grande rivalidade. Enquanto no Ocidente, o Estado é um intruso, um estranho, cujos poderes precisam ser definidos e restritos, na China ele é um membro da família, o patriarca. O estado pavimenta para que o privado atue, posteriormente.

A China sempre acreditou no mercado e no Estado. No século XVIII, Adam Smith reconheceu que “o mercado chinês é maior, mais desenvolvido e sofisticado do que qualquer mercado na Europa.” Enquanto na China se construíam grandes obras de infraestrutura, como a Muralha e o Grande Canal, na Europa se construíam castelos para a proteção no contínuo processo de guerras infindáveis. Enquanto, em 500 anos, a China teve uma guerra com o Vietnam e perdeu, no mesmo período o Reino Unido e França tiveram 142 guerras.

Nos últimos 40 anos, observamos um país que logrou tornar-se uma potência global e retomar, através de um processo de rejuvenescimento coletivo, a sua posição histórica de maior potência econômica global. A incorporação da China na economia global, com sua entrada na Organização Mundial de Comércio, e os benefícios que obteve decorrentes do processo de globalização que lhe advieram – ressalte-se – com um enorme custo tanto ao meio ambiente e o sacrifício do trabalho incansável de sua população, aliado a um crescente nível de poupança e ênfase na educação, incomparáveis a outros países em semelhantes condições, tornaram o país uma potência. Com isso, mais de 700 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza e conseguiram, nos últimos 40 anos, sair de uma renda per capita (PPP) que era quase dez vezes menor que a brasileira em 1978, para uma renda atual (PPP) de US$ 17.206, enquanto a brasileira é de US$ 14.563, segundo o Fundo Monetário Internacional. Neste processo, a China tem-se transformando no maior mercado consumidor global da História. Obviamente, o país enfrenta os seus desafios que – enfatize-se – são muito maiores que os do Brasil. Afinal, todo governante chinês enfrenta, dentre outros inúmeros desafios, a questãodiária do emprego e da segurança alimentar de uma enorme população num vasto território.

O Brasil tem muito a aprender com a China, na questão capitalista, administrativa e educacional. A China valoriza muito a questão educacional e não trata, como vemos por aqui, as universidades como inimigas, mas como polos importantes de inovação e crescimento. Esta é, de fato, a nova realidade global. Ignorar ou tentar freá-la é um equívoco. Infelizmente, alguns países acreditam equivocadamente que uma cruzada contra a China levará ao seu enfraquecimento. É um erro histórico. Desconhecem a enorme capacidade de um país, outrora de campesinos, que se transformou numa superpotência. Ao invés de criticar, é melhor aprender.  A cooperação com a vacina já constitui uma grande oportunidade.

Marcus Vinícius De Freitas

Professor Visitante

Universidade de Relações Exteriores da China

Compartilhe  

últimas notícias