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Marcus Vinicius de Freitas: Eleger num dia, arrepender-se no outro

Em poucas semanas, chegaremos, novamente, a mais uma eleição. Nessa ocasião, os brasileiros, de Norte a Sul, terão a oportunidade de se dirigirem às urnas e,

Marcus Vinicius de Freitas: Eleger num dia, arrepender-se no outro
Marcus Vinicius de Freitas: Eleger num dia, arrepender-se no outro

Redação Publicado em 30/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 07h35


Eleger num dia, arrepender-se no outro

Em poucas semanas, chegaremos, novamente, a mais uma eleição. Nessa ocasião, os brasileiros, de Norte a Sul, terão a oportunidade de se dirigirem às urnas e, uma vez mais, sacramentar a democracia no Brasil. Pouco mais de 30 anos já se passaram desde que o Brasil deixou de ser um regime de exceção e voltou à comunidade dos países democráticos. Deixou para trás muitos dos problemas que a falta de democracia nos causava: a ausência do diálogo, a subserviência ao Estado e o medo da liberdade de expressão. Atualmente, tudo isso parece distante, mas, do ponto-de-vista histórico, foi outro dia.

O Brasil mudou. Virou uma página indecente de sua história, pela segunda vez, ao extirpar a ditadura. A primeira vez foi com Getúlio Vargas. O ranço do passado, porém, persegue, ainda, o Brasil. A Constituição Federal de 1988, que deveria avançar, sedimentou alguns absurdos como o peso elevadíssimo de um Estado ineficiente, um sistema tributário meliante, uma dependência enorme do governo como mola propulsora do desenvolvimento, um regime político sem ideologia, somente fisiológico, além de construir uma sociedade baseada em direitos e não em méritos.

Para reparar estes erros, repete-se sempre o mesmo receituário: para a falta de competitividade, protecionismo. Para restringir a liberdade de expressão, o controle judicial, os inquéritos injustificados, ou ainda a constante crítica à imprensa que, apesar dos seus desafios, ainda consegue manter um papel essencial à democracia. Para a inércia do Estado, um enorme e assustador ativismo judicial, que transformou a Constituição numa mera peça de consulta e não mais a Lei Suprema do País. E para a política, a eterna e sempre presente corrupção e o compadrio, além da eterna política de esmolas, chamadas de transferência de renda.

A Constituição de 1988 deveria ter feito grandes mudanças. Não as fez. Nasceu ao final da Guerra Fria e buscou preservar um mundo do passado e não do futuro. Não deu celeridade ou competitividade ao País. De fato, agregou penduricalhos e manteve interesses. Exemplo disso é o tamanho do Senado que fora aumentado pelos militares e jamais reduzido pelos governos civis. Deveria ter acabado com a figura do suplente. Não fez. Deveria ter dificultado a multiplicação de partidos e tambémincentivado processos democráticos nas legendas e não a prevalecente vontade do coronel regional que lidera a agremiação. Não o fez. Deveria ter criado o voto distrital puro. Também não fez. Muito poderia ser feito e não foi. O resultado é que o nível da discussão política no Brasil decaiu muitíssimo. Os problemas persistem. O país não avança.

A atual polarização política reflete esse quadro. Fulanizou-se a política. Discutem-se pessoas, não ideias. Discutem-se posicionamentos, não estratégias. Perde-semuito tempo. Veja o caso do COVID-19 e das queimadas na Amazônia, que foram convertidos em posicionamentos ideológicos e não questões de políticas públicas eficazes. Não se pensa no longo prazo. Nem no legado e a responsabilidade com as futuras gerações.

A plataforma dos candidatos, em todos os municípios, certamente repetirá a ladainha eterna dos problemas jamais resolvidos da saúde, educação e segurança. Já é assim há vários anos. No entanto, a qualidade dos três tem piorado muitíssimo. Falamos muito sobre educação, mas valorizamos os educadores? Não viraram todos pregadores ideológicos, segundo alguns? Alguém acredita que das salas de aula de uma escola pública poderia sair um ou vários ganhadores do Prêmio Nobel? Ou o cientista que descobrirá a vacina contra futuras pandemias?

Aqui e ali se ouvirá o discurso sobre “cuidar das pessoas”, proteger os pobres. De fato, os politicos tratam a maior commodity do Brasil – seu povo – como entulho. E os que mais falam em “proteger os pobres” são os que mais se locupletam da miséria, condenandoum belíssimoPaís à perpetuidade malévola da pobreza e da estagnação. Em sua segunda posse como Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt afirmou: “Vejo um terço de uma nação mal alimentada, malvestida, mal nutrida … O teste do nosso progresso não é se acrescentamos mais à abundância daqueles que têm muito; é se fornecemos o suficiente para aqueles que têm pouco.”

Infelizmente, no Brasil, esse número é maior que um terço.  O Brasil precisa destravar as amarraduras da incompetência e da escassez de recursos financeiros e intelectuais. Precisa construir uma base de sustentação forte, inovadora e que privilegie a formação de uma efetiva economia do conhecimento. Precisa ter estratégia. E tudo começa no município.

Falar sobre segurança, saúde e educação, qualquer um fala. Vamos tratar das coisas que, efetivamente, pavimentarão o futuro do Brasil positivamente. Os partidos políticos e os candidatos tiveram 6 meses de pandemia para repensarem o futuro do Brasil. Será que fizeram isso?Até quando seguiremos num deserto de ideias?O que o Brasil precisa é de bons líderes que levem o País e o seu povo a sério. Senão continuaremos fadados a seguir elegendo num dia e arrependendo-nosno seguinte.

Marcus Vinicius de Freitas
Professor de Direito e Relações Internacionais, na Universidade de Relações Exteriores da China

Twitter/Instagram: @mvfreitasbr

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