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Marcus Vinicius de Freitas – Brasil: o Supermercado da Ásia

Há alguns anos, eu me questionava: se os Estados Unidos contribuem com a tecnologia no mundo, a China com a manufatura e a Europa com as instituições, qual é

Marcus Vinicius de Freitas – Brasil: o Supermercado da Ásia
Marcus Vinicius de Freitas – Brasil: o Supermercado da Ásia

Redação Publicado em 23/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 07h41


Brasil: o Supermercado da Ásia

Há alguns anos, eu me questionava: se os Estados Unidos contribuem com a tecnologia no mundo, a China com a manufatura e a Europa com as instituições, qual é a mensagem do Brasil ao mundo: É a agricultura? E se for, por que não viramos supermercado ao invés de celeiro do mundo?

De lá pra cá muita coisa mudou. Mas uma se tornou realidade e contra fatos, não há argumentos: o século XXI será asiático. Na Ásia se encontram 3 das 4 maiores economias globais em termos de paridade de poder de compra: China, Índia e Japão. Na Ásia se encontra a maior parte da população mundial. Em 2000, a Ásia correspondia a 32% do PIB global, em termos de paridade do poder de compra; em 2017, subiu para 42% (34% em termos reais) e, segundo um relatório da McKinsey em 2019, deverá representar 52% (46% em termos reais) em 2040. Entre 2000 e 2017, por outro lado, a Europa declinou de 26 para 22% e a América do Norte de 25 para 18%. Em termos de consumo, a Ásia ascenderá de 23% do total global para 39% em 2040.

A China se transformou numa potência mundial sem precedentes e tem construído uma significativa capacidade em inovação. Em 2017, por exemplo, o país asiático contabilizou 40% do total global de pedidos de patentes. A China também consolidou um papel cada vez mais relevante no comércio internacional. Na empreitada de dobrar sua renda per capita, como será o nível de consumo da China quando alcançar US$ 20 mil nas próximas décadas? É possível imaginar o potencial do maior mercado consumidor da história da humanidadecomo aquele que veremos em poucos anos?

O futuro está na Ásia, não mais no Atlântico. Ignorar essa nova realidade constitui um enorme equívoco.  Como  aproveitar-se deste momento, então? Em primeiro lugar, ter muito claro quais são as vantagens absolutas e competitivas do Brasil. Não há dúvida que a abundância de água, sol e terras férteis constitui fatores fundamentais para criar produtos globalmente competitivos.

A agregação de valor aos produtos agrícolas e  pecuáriosbrasileiros deveria ser uma política fundamental do governo. É preciso estabelecer acordos comerciais com empresas asiáticas para que agreguem valor aos produtos primários no Brasil. Essas empresas poderão realizar aqui os ajustes necessários para atender à demanda e gosto dos consumidores asiáticos. Para tanto, será necessário atrair maiores investimentos asiáticos ao Brasil. Acordos de livre comércio e bilaterais de investimento são essenciais para estimular o comércio e investimentos no Brasil. Através desses acordos, o Brasil poderia, ainda, criar zonas econômicas, para que empresas asiáticas agreguem valor às commodities brasileiras, que poderiam ser vendidas à União Europeia, Estados Unidos e à própria Ásia, utilizando o território nacional como plataforma de exportação.

É indispensável, ainda, que haja o estímulo a investimentos brasileiros na Ásia, com o propósito de solidificar os relacionamentos bilaterais e abrir maiores oportunidades de comércio intra-indústria, uma das molas propulsoras do comércio internacional. O atual governo claudica por não ter uma visão de longo prazo das medidas necessárias ao efetivo crescimento econômico do Brasil, inclusive cultivando, muitas vezes, uma perspectiva distorcida, particularmente da China, refletindo aproximações estratégicas de valor agregadorelativo. É hora de o Brasil começar a tratar a China e oresto do continente asiático como parceiros e não somente como clientes.

Deveriam, ainda, ser estabelecidos incentivos para joint ventures, cujas transferências de tecnologia poderiam ter um significativo impacto no emprego e no crescimento. Talvez devesse este ser o fio condutor quando o Brasil, eventualmente, vier a negociar sua participação na Nova Rota da Seda.

Uma outra área crucial que o Brasil não deveria desconsiderar, por exemplo, é a da alimentação infantil. No caso da China, com a modificação da política de filho único, mais de 20 milhões de crianças deverão ser adicionadas àquele mercado consumidor anualmente. Isto abre um leque de oportunidades às empresas de alimentação e cuidado voltado a crianças, numa tendência irreversível nos próximos anos. Ademais, existem outras oportunidades, como, por exemplo, no Japão, os mercados de frutas de luxo, de elevadíssima remuneração, que poderiam ser explorados por empresas nipo-brasileiras.E com a Índia deveríamos aprofundar o relacionamento na área tecnológica de software.

Sonho com o dia em que haverá supermercados brasileiros na Ásia introduzindo produtos “Made in Brazil, adaptados ao gosto asiático. Ignorar essa oportunidade seria, sem dúvida, um enorme desacerto, com um impacto profundo sobre o futuro do Brasil. Afinal, “as oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas”, já diria Sun Tzu.

Marcus Vinicius de Freitas:
Professor de Direito e Relações Internacionais, na Universidade de Relações Exteriores da China

Twitter/Instagram: @mvfreitasbr

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