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Marcus Vinicius de Freitas: A Despedida de Abe Shinzo

Em que pese a variedade de problemas derivados dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ninguém que teve a oportunidade de assistir à Cerimônia de Encerramento

Marcus Vinicius de Freitas: A Despedida de Abe Shinzo
Marcus Vinicius de Freitas: A Despedida de Abe Shinzo

Redação Publicado em 02/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 08h06


A Despedida de Abe Shinzo

Em que pese a variedade de problemas derivados dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ninguém que teve a oportunidade de assistir à Cerimônia de Encerramento jamais se esquecerá daquele convite divertido de Tóquio para que os brasileiros prestigiassem os Jogos Olímpicos que deveriam ter ocorrido em 2020, no Japão. Encabeçando esse convite estava o Primeiro Ministro do Japão, Abe Shinzo, que apareceu no estádio do Maracanã incorporando Super Mário, o personagem dos jogos da Nintendo, num momento de grande humor daquela cerimônia alegre, mas com sabor de despedida.

Na última sexta-feira, 28 de agosto, Abe Shinzoanunciou a sua renúncia ao cargo de Primeiro Ministro, um dos períodos mais longevos de estabilidade política na história recente do Japão, sob a alegação de uma enfermidade sem cura, cuja necessidade de tratamento mais intenso aumentou nos últimos tempos. O anúncio da renúncia teve dois momentos importantes a serem observados: o pedido sincero de desculpas ao eleitorado por não poder completar a totalidade do seu mandato como Primeiro-Ministro e a afirmação de que a doença e o seu respectivo tratamento não lhe permitiriam ter a capacidade de estar totalmente dedicado às grandes questões políticas do Japão, particularmente num momento repleto de problemas associados ao COVID-19.

Abe Shinzo, apesar das controvérsias normais de qualquer administrador público, conseguiu, durante seu governo, prover ao país um período de enorme estabilidade política, além de reverter um pouco do quadro difícil econômico enfrentado pelo Japão, que sofre com o envelhecimento da população, o alto nível de endividamento do Estado e também o desafio de maior inclusão e empoderamento feminino.

A política econômica adotada em seu segundo mandatoAbenomicsaplicou na economia as medidas necessárias para reduzir o quadro de estagnação econômica que acometeu o Japão durante vários anos. Com uma política voltada a aumentar a oferta de dinheiro no país, impulsionar os gastos públicos e tomar as medidas necessárias para incrementar a competitividade, o programa, de fato, logrou injetar um ânimo renovado numa economia que precisava desse estímulo para voltar a ter resultados positivos. As décadas perdidas do Japão, resultantes das bolhas imobiliárias e dos preços dos ativos, levaram o governo a incorrer enormes déficitis orçamentários, particularmente em função dos projetos de obras públicas.

O resultado foi que o Japão conseguiu, enfim, tornar seus produtos mais atraentes internacionalmente, um relativo estímulo no consumo e demanda no curto prazo, com o respectivo crescimento e superávit no orçamento.  A Parceria Transpacífica (TPP) também representa um importante legado pois abriu ao país um novo eixo de desenvolvimento para revitalização econômica, diante da competitividade imposta pelo livre comércio.

E, por fim, Abe Shinzo soube navegar em mares turbulentos globais, com a ascensão da China e declínio dos Estados Unidos, que lhe requereu uma capacidade enorme de negociar e saber manter a necessária equidistância para garantir ao Japão o espaço para navegar sabiamente entre os dois gigantes globais.

O maior desafio, no entanto, foi a forma como Abe Shinzo lidou com o COVID-19. O Japão foi mais lento na adoção de algumas das medidas essenciais para o combate à pandemia. E, talvez, por isso, Abe Shinzo seja também a primeira vítima política de uma pandemia que, por certo, alterará muito do quadro político atual no futuro breve.

Para nós, que moramos no Brasil, observar a renúncia nos faz refletir sobre o quanto precisamos avançar no respeito ao voto e às grandes questões nacionais. Abe Shinzo ensinou, em seu discurso de renúncia, que o voto e o mandato dado pelo povo deve ser respeitado até o último momento, e que pessoas incapacitadas por enfermidades que lhes prejudiquem na resolução das grandes politicas públicas devem ter a hombridade de reconhecer a sua limitação – ainda que temporária – pelo bem maior da sociedade que precisa que os dirigentes estejam em sua plena capacidade para as enormes demandas da sociedade moderna. Talvez esta seja a maior lição de Abe Shinzo para nós.

Marcus Vinicius de Freitas:

Professor de Direito e Relações Internacionais, na Universidade de Relações Exteriores da China
Twitter/Instagram: @mvfreitasbr

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