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Marcus Vinicius de Freitas: A Pandemia e o Natal

Marcus Vinicius De Freitas

Marcus Vinicius de Freitas: A Pandemia e o Natal
Marcus Vinicius de Freitas: A Pandemia e o Natal

Redação Publicado em 23/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 21h17


A Pandemia e o Natal

Marcus Vinicius De Freitas

Não há dúvidas de que história do início do Cristianismo é repleta de mensagens emocionantes. Do anúncio do nascimento de Jesus a uma jovem, virgem, até àquela noite sobrenatural do nascimento, num estábulo na pequena vila de Belém, a história fascina por sua simplicidade, mas também por sua majestade. O nascimento do Menino de Belém impressiona não somente pela humildade mas pelo alcance de sua mensagem universal, que hoje atinge a mais de 2 bilhões de indivíduos no mundo.

Dentre as muitas histórias daquele nascimento, sem dúvida, a que sempre me chamou mais a atenção foi a dos Três Magos, vindos do Oriente. A tradição lhe deu nomes e cores: Baltazar, Belchior e Gaspar, cada um representando as três formas de apresentação da raça humana. Cada um, vindo de uma parte do mundo, portava um presente: ouro, incenso e mirra, repletos de simbologia quanto à riqueza de Jesus como futuro Rei dos Reis. O que causa perplexidade na história, no entanto, é o fato de esses Três Magos, antes de se dirigirem a Belém, passarem antes por Jerusalém, onde se consultaram com o tirânico Rei Herodes. Ao fim da conversa, Herodes, preocupado com uma eventual ameaça ao seu poder, sugeriu aos Magos que, após a visita ao futuro Rei de Israel, retornassem e lhe dessem, precisamente, a localização do Infante, sob a falsa alegação de que pretendia, também, juntar-se à celebração. Os Magos partiram, encontraram Jesus e sua família, e depois, avisados em sonho, optaram por retornar por um outro caminho, evitando reencontrar-se com Herodes, que ficou furioso e determinou, segundo o relato bíblico, um decreto de morte para os bebês nascidos naquele período de espera.

O que importa nesta mensagem é o conselho dado aos Magos: uma vez encontrado o Messias, o caminho a ser trilhado deveria ser diferente daquele pelo qual vieram. Assim é na vida. Fatos extraordinários ocorrem para determinar uma mudança de rumo, uma alteração no percurso e um ajuste na bússola da existência.

Sem dúvida, a COVID-19, apesar de sua enorme letalidade e das milhares de vidas ceifadas – e lamentamos profundamente por conhecer algumas delas – representa um acontecimento extraordinário, que incita uma mudança de rumo, um ajuste no percurso. Até o advento da COVID-19, o mundo experimentava, de forma impressionante, os benefícios da globalização. O mundo ficou pequeno, as fronteiras ficaram mais próximas e passamos a compartilhar, mais intensamente, deste condomínio chamado Terra. No entanto, notamos um crescimento maior na desigualdade social, no exploração e deterioração do meio ambiente, no descrédito da atividade política, no uso das drogas e no abuso da da fé. O rumo que seguíamos não era o melhor.

No entanto, aqui e ali, ouvimos que muitos querem voltar ao antigo normal. Será que, de fato, o normal anterior era bom para nós? Quando refletimos mais profundamente sobre o que estava ocorrendo, a resposta parece óbvia. Achávamos que estávamos bem, porém não era verdade.

A pandemia fez com que redescobríssemos o lar, a família e as amizades. Deu a oportunidade de olharmos internamente e repensar os rumos e ajustar a bússola. Apesar do tormento do desgastado embate político, que, de substancial, não agregou muito para o Brasil – e, de fato, somente nos irritou – a  pandemia tem sido um tempo de reflexão para que mudemos de estrada e ajeitemos o prumo. É importante ressaltar que depois da Gripe Espanhola, que, de 1918 a 1920, ceifou mais de 500 milhões de vidas, o mundo passou por uma década de ouro que foram os anos 20.

No mandarim, as palavras crise (危机-Wéijī) e oportunidade (机会-jīhuì) compartilham um ideograma comum, uma recordação constante de que nas crises residem oportunidades e nas oportunidades residem crises. Para transformar a crise numa oportunidade, é necessário labutar e querer construir uma nova narrativa para  seguir adiante. É essencial não voltar pelo mesmo caminho. Aí talvez resida a maior sabedoria natalina: diante de um grande evento, mude a história.

Que este Natal seja um período de reflexão e uma ocasião familiar para buscar uma nova estrada. E que venham novas oportunidades para uma década frutífera na grande saga da humanidade.

Marcus Vinicius De Freitas, Advogado e Professor Visitante, Universidade de Relações Exteriores da China.

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