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Marcus Vinícius de Freitas: Dignidade e Eficiência

Marcus Vinicius De Freitas

Marcus Vinícius de Freitas: Dignidade e Eficiência
Marcus Vinícius de Freitas: Dignidade e Eficiência

Redação Publicado em 02/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h35


Dignidade e Eficiência

Marcus Vinicius De Freitas

Em 2 de junho de 1953, na Abadia de Westminster, Elizabeth II foi coroada como Rainha do Reino Unido. Tendo servido como uma das rainhas mais longevas da história britânica, Elizabeth II viu seu país passar por várias fases importantes. O império britânico que por anos dominou vários continentes viu seu poder e relevância diminuídos durante o seu reinado. Muito disso se deveu às duas Guerras Mundiais, que, ao destruirem o continente europeu, impuseram à Europa uma difícil recuperação. No Reino Unido, a situação não foi diferente. O país atravessou enormes dificuldades, porém, conseguiu manter-se relevante na ordem internacional.

Por muito tempo se criou a equivocada imagem entre nós de que a monarca britânica, de fato, não tem poder, uma figura meramente decorativa. O erro não poderia ser maior. A Rainha Elizabeth exerce um papel fundamental na vida política do país em que reina. O exercício do poder monárquico se baseia em dois princípios ensinados por Walter Bagehot, jornalista britânico, que, em sua obra intitulada “The English Constituion” (“A Constituição Inglesa”) , reconheceu que a constiuição precisa de duas partes: a litúrgica (ou digna), como forma de estímulo e preservação da reverência popular, e a eficiente, para utilizar tal reverência nas ações do governo. É necessário que a parte digna atraia do cidadão o compromisso com o país e suas instituições.

Inexiste, pois, uma separação clara entre os doiselementos, até porque se complementam fundamentalmente e um não faria sentido sem o outro.  Desta forma, o Chefe de Estado – o monarca – tem um papel fundamental de natureza constitucional para gerar reverência pelas instituições e, a partir disso, emprestar ao governo a autoridade moral para que possa exercer suas atividades e ser aceito popularmente. O governo obtém sua legitimidade não somente por meio do voto, mas também pelo respeito que o cidadão tem por seu Estado. Quando esse respeito cessa ou diminui, o governo fica prejudicado. A popularidade diminui e há a necessidade de troca de comando. Como guardião das instituições, o monarca pode, se conveniente for, em razão do reconhecimento moral, que lhe é outorgado pela população – aliás, muito mais legítimo que o simplesvoto, convocar novas eleições.

É por esta razão que o monarca, como principal servidor público, deve personificar a reverência e respeito às instituições, a fim de que possa ter a autoridade moral para, se for o caso, dissolver um governo e parlamento.  

Na Constituição brasileira, também notamos esta importante diferenciação entre as partes dignas e eficientes. As partes dignas se referem aos direitos fundamentais e os principíos basilares da Constituição. A parte da eficiência está relacionada à estruturação do Estado. O respeito do cidadão brasileiro pelas autoridades constituídas está diretamente ligado à reverência à Constituição como Lei Maior do Pais.

Nos últimos anos, infelizmente, temos observado que a Constituição brasileira tem sido vilipendiada e inexiste autoridade constituída que, de fato, tenha respeitado, de modo digno e reverencial, os princípios fundamentais por ela representados. Os Três Poderes existentes no Brasil são os primeiros a desrespeitar os princípios constitucionais. Como resultado, a impressão é a de que, de fato, o Brasil é um país sem leis. E quando as tem, estas não são respeitadas. Afinal, como é possível, nas esferas mais altas do Poder Judiciário, observarmos um emaranhado de interpretações jurídicas que, simplesmente, reescrevem, ilegitimamente, a Carta Magna?

É por esta razão que as instituições do Estado precisam de um guardião, que esteja acima das disputas políticas e partidárias, e que, no silêncio e na liturgia da sua atuação, consiga restaurar o respeito institucional que o País tanto necessita. Infelizmente, a República como conceito, ideia e realidade, no Brasil, não deu certo. Afinal, o seu surgimento, por meio de um golpe impopular, foi baseado na esquizofrenia do temor de ver uma mulher – a Princesa Isabel  à frente da Chefia de Estado, e da mesquinhez dos senhores escravocratas, que jamais perdoaram a Coroa brasileira por ter-lhes retirado o “privilégio” de ter direitos de propriedade sobre outros seres humanos. Com esta base ilegítima, é fácil de compreender porque nunca mais se logrou, desde Dom Pedro II, a reverência pelo Estado, seus agentes e instituições.

A Rainha Elizabeth II, em seu país, é a personificação de dignidade e de serviço público, algo que lhe dá maior legitimidade do que qualquer Primeiro-Ministro ou líder mundial. O Brasil necessita, já há muito tempo, de um servidor público que restaure a reverência e respeito às instituições e ao País. O Brasil precisa e merece isso.

Marcus Vinicius De FreitasAdvogado e Professor Visitante, Universidade de Relações Exteriores da China

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