Mais da metade dos estados brasileiros já têm recordes mensais de mortes por Covid-19 em março: em 14 das 27 unidades federativas do país, morreram mais pessoas neste mês do que em qualquer outro desde o início da pandemia.

Os dados, ainda parciais, são das secretarias estaduais de Saúde e foram apurados pelo consórcio de veículos de imprensa.

O Rio Grande do Norte foi o estado a bater o recorde mais recentemente: no sábado (27), somou 809 mortes por Covid desde o dia 1º . O recorde anterior era de julho, quando 783 mortes haviam sido registradas.

Os outros 13 estados com recorde são Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Bahia, Tocantins, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Acre.

'Perdi quase todos para a Covid': o relato de quem teve a família destroçada pela doença

‘Perdi quase todos para a Covid’: o relato de quem teve a família destroçada pela doença

Só este mês, já foram registrados 56.012 óbitos pela doença no Brasil, de longe o pior número mensal desde o começo da pandemia. Antes, o maior número de mortes em um mês por Covid havia sido visto em julho de 2020, quando 32.912 pessoas perderam a vida para a doença em todo o território nacional.

Março também foi o quarto mês consecutivo em que as mortes de um mês superam as do mês anterior (veja gráfico abaixo).

Infográfico mostra que, com dados parciais de março, 56.012 mortes pela Covid-19 já foram registradas neste mês. — Foto: Arte G1

Infográfico mostra que, com dados parciais de março, 56.012 mortes pela Covid-19 já foram registradas neste mês. — Foto: Arte G1

Ao todo, o Brasil já registrou mais de 311 mil mortes pela Covid, considerando dados nacionais até sábado (27) mais as atualizações deste domingo (28) de Goiás e Minas Gerais.

O dado referente às mortes de março foi calculado subtraindo-se as mortes totais até fevereiro (255.018) do dado parcial de mortes até 28 de março (311.030). Os números dos meses anteriores foram determinados com a mesma metodologia, mas considerando o último dia de cada mês (veja mais ao final da reportagem).

3,6 mil mortes diárias são ‘só o começo’, diz especialista

Coveiros carregam caixão de vítima da Covid-19 em cemitério municipal de Porto Alegre, no dia 26 de março. — Foto: Silvio Avila/AFP

Coveiros carregam caixão de vítima da Covid-19 em cemitério municipal de Porto Alegre, no dia 26 de março. — Foto: Silvio Avila/AFP

No dia 26, o Brasil registrou o número de mortes diárias mais alto desde o início da pandemia, quando 3,6 mil pessoas morreram.

O pneumologista Fred Fernandes, que atende em São Paulo, avalia que o recorde é “só um começo”. A falta de insumos que vem sendo registrada em vários estados no país significa que o cenário pode piorar, diz o especialista. A escassez vai desde oxigênio até medicamentos como sedativos e bloqueadores neuromusculares, necessários para intubar pacientes graves com Covid-19.

“Por enquanto não teve uma falta generalizada, mas esses insumos estão se esgotando. E se a gente está trabalhando com algo [em torno] de 20 mil casos novos [por dia em SP], isso vai se refletir em breve em mais internações e mais pacientes graves”, alerta.

No dia 25, o país teve mais um recorde de casos diários, com 97.586 novas infecções em 24h. O número mais alto anterior era da véspera, quando 90,5 mil novos casos foram confirmados em apenas um dia.

“Não tem nenhum horizonte de ‘ah, parece que vai diminuir a quantidade de casos graves para diminuir o consumo desses insumos’. A gente ainda não tem uma cadeia produtiva crescendo na mesma velocidade com que está crescendo o consumo dessas medicações”, afirma Fernandes.

Antes do pico do dia 26, o Brasil teve outros 6 recordes de mortes em 24h só em março, considerando os dados desde o início da pandemia. O primeiro foi no dia 2, com 1.726 vidas perdidas em apenas um dia. O número foi ultrapassado no dia seguinte, quando o país teve 1.840 mortes.

Depois, vieram os recordes de 9 e 10 de março, e, então, o do dia dia 16, quando 2.798 pessoas morreram. Depois, houve outro recorde no dia 23, quando 3.158 mortes foram registradas em apenas 24h. Esse foi superado pelo número de 3,6 mil óbitos.

As médias móveis diárias calculadas pelo consórcio de imprensa estão acima de mil mortes por dia há 66 dias; pelo 20º dia a marca aparece acima de 1,5 mil; e o país completa agora 11 dias com essa média acima dos 2 mil mortos por dia.

Nos estados

Coveiros usando equipamento de proteção são vistos trabalhando em sepultamento noturno no cemitério da Vila Formosa, Zona Leste da cidade de São Paulo, nesta sexta-feira (26) — Foto: ETTORE CHIEREGUINI/ESTADÃO CONTEÚDO

Coveiros usando equipamento de proteção são vistos trabalhando em sepultamento noturno no cemitério da Vila Formosa, Zona Leste da cidade de São Paulo, nesta sexta-feira (26) — Foto: ETTORE CHIEREGUINI/ESTADÃO CONTEÚDO

Em São Paulo, o recorde mensal foi alcançado depois de o estado registrar 1.021 mortes em apenas 24 horas. Esse número, entretanto, não foi o mais alto visto em apenas um dia: o dia 26 teve 1.193 mortes, o sexto recorde de mortes diárias no estado só no mês de março. No dia seguinte, o estado teve mais de mil mortes em um dia pela terceira vez na semana.

São Paulo é um dos pelo menos 3 estados que já registraram mortes em filas de UTI – junto com Rio de Janeiro e Pará. Um levantamento do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) apontou que, no dia 25, 6,3 mil pessoas esperavam por um leito de UTI no país.

Em Mato Grosso, um dos estados com recorde de óbitos neste mês, uma pessoa morreu por Covid a cada 19 minutos na última semana.

No Amazonas, dois meses após o colapso, Manaus zerou a fila de espera para UTI de Covid-19 e está recebendo pacientes de outros estados. Já foram 45 transferências: 42 de Rondônia e 3 do Acre, ambos também com recorde de mortes neste mês.

Governo falhou com cidadãos, diz pesquisadora

Foto mostra paciente intubado em UTI montada para atender pacientes com Covid-19 em hospital de campanha em Santo André, no ABC paulista. — Foto: Miguel Schincariol / AFP

Foto mostra paciente intubado em UTI montada para atender pacientes com Covid-19 em hospital de campanha em Santo André, no ABC paulista. — Foto: Miguel Schincariol / AFP

Na semana passada, em entrevista ao G1, a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), avaliou que o governo brasileiro falhou com seus cidadãos.

“O governo brasileiro falhou muito com seus cidadãos. Acho que essa é a frase [com] que eu resumiria o que está acontecendo. Uma mistura de incompetência com descaso, porque no país tem muitas pessoas tecnicamente competentes que certamente teriam prazer de estar ajudando nesse momento o governo”, afirmou.

“Mas o governo não quer ser ajudado”, disse Maciel. “Pelo contrário, o governo está dificultando o controle quando os estados estão fazendo algumas medidas. Estamos no pior momento do Brasil, a maior crise sanitária de todos os tempos. Nós já colapsamos. É importante as pessoas entenderem isso: o sistema de saúde do país já está colapsado”.

“É muito descaso. A gente vem vendo o que está acontecendo, o que vai acontecer. A gente vai ver as pessoas morrendo sem assistência nenhuma, morrendo sufocadas. Isso é muito triste, muito triste. E saber que poderia ter sido diferente – isso que é angustiante”, lamentou a professora da Ufes.

Metodologia

O consórcio de veículos de imprensa começou o levantamento conjunto no início de junho. Por isso, os dados mensais de fevereiro a maio são de levantamentos exclusivos do G1. A fonte de ambos os monitoramentos, entretanto, é a mesma: as secretarias estaduais de Saúde.

Outra observação sobre os dados é que, no dia 28 de julho, o Ministério da Saúde mudou a metodologia de identificação dos casos de Covid e passou a permitir que diagnósticos por imagem (tomografia) fossem notificados. Também ampliou as definições de casos clínicos (aqueles identificados apenas na consulta médica) e incluiu mais possibilidades de testes de Covid.

Desde a alteração, mais de mil casos de Covid-19 foram notificados pelas secretarias estaduais de Saúde ao governo federal sob os novos critérios.

.
.
.
Fonte: G1 – Globo.