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Reinaldo Polito: A ironia do Papa provoca polêmica

Os meios de comunicação noticiaram com grande alarde um comentário feito pelo Papa Francisco. Após participar da audiência geral no Vaticano, o padre

Reinaldo Polito: A ironia do Papa provoca polêmica
Reinaldo Polito: A ironia do Papa provoca polêmica

Redação Publicado em 30/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h51


A ironia do Papa provoca polêmica

Os meios de comunicação noticiaram com grande alarde um comentário feito pelo Papa Francisco. Após participar da audiência geral no Vaticano, o padre brasileiro João Paulo Souto Victor conseguiu manter um rápido encontro com o Sumo Pontífice, e pediu ao Santo Padre a benção aos brasileiros. Atrás de seu inconfundível sorriso, o Papa respondeu: “Vocês não têm salvação. Muita cachaça e nada de oração”.

Vixe! Pegou fogo. O vídeo com essa fala do líder católico viralizou. Alguns tentaram amenizar o comentário, dizendo que foi uma brincadeira saudável. Outros, ao contrário, fizeram críticas severas, enfatizando que suas palavras foram desrespeitosas com o povo brasileiro. Houve quem dissesse que não fica bem para um Papa esse tipo de observação.

Muitos de meus amigos e leitores me mandaram mensagem, pedindo que eu escrevesse um texto analisando o episódio. Respondi a todos que faria, mas que, talvez, os meus comentários não fossem corresponder às expectativas de muitos deles. Sim, porque quase todos criticaram a atitude daquele chefe de Estado. Até o Datafolha entrou na discussão, publicando o resultado de uma pesquisa em que 70% dos entrevistados responderam ter mais orgulho que vergonha do Brasil. 26% disseram ter opinião oposta. Os outros ou não quiseram responder ou não souberam a resposta.

Vou iniciar fazendo uma afirmação: a vida está ficando chata. É impressionante como as pessoas perderam a leveza e deixaram de interpretar ironias pelo que está por trás da mensagem. Pegam tudo ao pé da letra. Há algum tempo que essa má vontade vem se disseminando. Não importa em que ambiente estejam as pessoas, ou o nível intelectual que possuam. Basta alguém fazer algum comentário que exija a mínima interpretação para que seja condenada.

Como disse Mário Quintana: “A ironia atinge apenas a inteligência. Inútil desperdiçá-la com os que estão longe do seu alcance. Contra estes ainda não se conseguiu nenhuma arma. A burrice é invencível”. Peço desculpas por discordar do grande poeta. Eu não me limitaria apenas àqueles que são desprovidos de inteligência. Conheço gente de QI elevadíssimo, mas que por ideologia, maldade ou conveniência fingem não entender, só para poderem criticar.

A política está carregada desses personagens. Vamos nos lembrar de alguns fatos pitorescos. Um deles ocorreu com Ciro Gomes. Ele estava casado com a atriz Patrícia Pillar. É evidente que a presença dela nos comícios e apresentações poderia ser um atrativo para levar mais público aos eventos. A turma vivia azucrinando o experiente político com a questão incômoda: queriam porque queriam saber qual o papel da Patrícia.

Conhecendo o temperamento irascível de Ciro, os jornalistas sabiam que uma hora ou outra ele iria perder a paciência. Macaco velho, o líder cearense tinha a consciência de qual era a intenção e mantinha a calma. Só que água mole em pedra dura… Pois é, ele caiu no canto da sereia e resolveu responder com uma ironia: “A minha companheira tem um dos papeis mais importantes, que é dormir comigo”. Pronto. A desgraça estava feita. Mesmo sabendo tratar-se de uma brincadeira, fizeram de conta que não haviam entendido e pegaram a palavra literalmente. Por mais que Ciro tentasse explicar, não houve acerto.  Devido ao seu comentário perdeu parte importante do seu eleitorado, especialmente das mulheres.

Bolsonaro foi outro que se saiu mal com suas brincadeiras. Fez um comentário que se transformou na alegria dos jornalistas e opositores. Em 2017, quando ainda era deputado federal, durante uma palestra que proferiu na Hebraica, no Rio de Janeiro, se saiu com essa: Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens; a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Não é preciso muita reflexão para deduzir que ele brincou com o tema. Os opositores não perdoaram. Pegaram ipsis litteris o que ouviram e passaram a acusá-lo de misógino. Até hoje é obrigado a carregar essa cruz.

Com o caso do Papa a situação é bastante semelhante. As pessoas não tiveram a sensatez e a boa vontade de avaliar que se tratou de uma brincadeira. Com o momento difícil que o mundo atravessa, um pouco de humor e leveza de espírito deveriam ser muito bem recebidos.

Aqui vão duas considerações. Primeira, a de que é preciso desarmar um pouco os ânimos e saber que ironias não devem ser tomadas pelo valor de face, mas sim pelo que efetivamente comunicam nas entrelinhas. Segunda, a de saber que, como existe muita gente com dificuldade de compreensão, e outros oportunistas, que querem se aproveitar para prejudicar seus desafetos, o melhor é evitar brincadeiras que possam ser mal interpretadas.

Talvez o Papa não tivesse consciência de que com seu comentário jocoso poderia ser tão útil para esta importante reflexão nos dias atuais: a de saber que a vida está perdendo a graça, e ficando aborrecida demais.

Com muita ou pouca cachaça, e com muita ou pouca oração, Sua Santidade, a benção para nosotros braslileños, que somos sus hermanos.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão corporativa na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]

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