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Guerrilheiros colombianos atravessam fronteira por garimpo ilegal na Amazônia

Estrangeiros suspeitos de ligação com uma dissidência das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão entrando em território brasileiro

Guerrilheiros colombianos atravessam fronteira por garimpo ilegal na Amazônia
Guerrilheiros colombianos atravessam fronteira por garimpo ilegal na Amazônia

Redação Publicado em 04/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h36


Estrangeiros suspeitos de ligação com uma dissidência das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão entrando em território brasileiro atraídos pelo avanço do garimpo ilegal de ouro no Brasil nos rios da Amazônia. A informação consta de documentos obtidos pela BBC News Brasil e foi confirmada pela Polícia Federal.

As investigações apontam que os dissidentes estão extorquindo garimpeiros ilegais que atuam de forma clandestina nos rios da região e cobrando uma espécie de “pedágio” para poderem continuar trabalhando. Em agosto, a PF e o Exército brasileiro realizaram uma operação no município de Japurá (AM), a 745 quilômetros de Manaus, depois de receberem informações de que havia dissidentes na área urbana da cidade. Dois colombianos foram presos.

As Farc eram um dos grupos armados que, por quase 50 anos, esteve em conflito com o governo colombiano. Em 2016, comandantes da organização e o então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, firmaram um cessar-fogo que previa o desarmamento da organização e a possibilidade de o grupo participar da vida política do país. Em 2017, a maioria dos rebeldes se desmobilizou e passou a formar o partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum, também conhecida pela sigla Farc. Mais de oito mil fuzis foram entregues pelos guerrilheiros.

Parte deles, porém, decidiu não aderir ao acordo e continuou a atuar na região, especialmente em território amazônico. São esses dissidentes que as autoridades brasileiras acreditam que estejam ingressando em território nacional desde então. Nos últimos anos, serviços de inteligência receberam a informação de que alguns deles fazem a “escolta” de carregamentos de drogas enviadas da Colômbia para o Brasil pelos rios da região.

Os documentos obtidos pela BBC News Brasil fazem parte de uma investigação conduzida pela Polícia Federal após a operação de agosto e que tramita, agora, na Justiça Federal do Amazonas. Segundo eles, a novidade agora é que esses dissidentes estão extorquindo garimpeiros ilegais brasileiros que atuam na extração ilegal de ouro nos rios da região, especialmente nos rios Purué e Joamim. O processo contém fotos tiradas por informantes da PF que mostram homens armados com fuzis e uniformes semelhantes aos usados pelos guerrilheiros abordando dragas de garimpo.

Segundo o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Leandro Almada, há suspeitas de que o ouro extraído ilegalmente no Brasil esteja sendo usado para financiar as atividades dos dissidentes na Colômbia.

“Indivíduos supostamente dissidentes de grupos paramilitares estrangeiros atuariam na faixa de fronteira da região de Japurá e teriam envolvimento com o tráfico de entorpecentes, realizando escoltas de carregamentos de drogas e, mais recentemente, atuando na extorsão de garimpeiros ilegais que atuam na região de fronteira. Não temos dados concretos, mas existe a possibilidade de tais recursos estarem sendo utilizados para o financiamento desses grupos baseados no exterior“, disse o delegado em nota enviada à BBC Brasil.

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“Segundo levantamentos na região, os dissidentes ingressam ilegalmente em território nacional, muitas vezes com documentos falsos, e atuam nas áreas de garimpo da faixa de fronteira abordando ribeirinhos e garimpeiros, ou infiltrados na zona urbana de Japurá, onde adquirem mantimentos”, explicou o delegado.

A suspeita de que dissidentes estejam usando o ouro ilegal brasileiro chama atenção porque, na Colômbia, há pelo menos nove anos existem registros de que grupos paramilitares comando minas ilegais no país vizinho.

“Isso é algo que aconteceu na Colômbia. Há minas ilegais administradas pelas Farc e outros grupos ilegais no meu país, de modo que não me estranharia que esses criminosos que atravessam a fronteira comecem a atuar dessa maneira no Brasil”, disse o embaixador da Colômbia no Brasil, Dario Montoya Mejia.

O diplomata afirmou também que as autoridades dos dois países vêm intensificado as ações de cooperação na região para sufocar atividades de organizações criminosas.

Bilhetes com carimbo das Farc

Entre os indícios que, segundo a PF, ligam o casal colombiano preso em agosto deste ano a grupos dissidentes das Farc estão um bilhete apreendido com o casal que contem o carimbo da Frente Carolina Ramirez, um dos sub-grupos da dissidência das Farc que atua no sul da Colômbia. O casal foi encontrado depois de invadir a casa de uma moradora de Japurá ao fugir da polícia e do Exército.

A investigação da PF suspeita de que a dupla atuava como emissários responsáveis por obter mantimentos, remédios e outros insumos para dar suporte ao grupo na selva. Além do bilhete, a PF encontrou um uniforme camuflado, botas, artigos para sobrevivência na selva e uma balança de precisão. As suspeitas aumentaram depois que um laudo de peritos da PF constatou que a mulher detida apresentou nomes e documentos falsos às autoridades brasileiras.

Em seu depoimento, a dona da casa invadida, cujo nome não será divulgado por motivos de segurança, disse ter sentido ameaçada.

“Aí, na hora que eles entraram, empurraram a porta e quase jogaram as duas (sua filha e cunhada) aí embaixo e falaram que iam ficar aí e foram direto pro meu quarto. A gente pediu para sair, não saíram. Falaram que iam ficar aí, porque se eles não ficassem aí não, (a gente) sabia o que podia acontecer […] Me senti (ameaçada) […] se a gente não fizer o que eles estão pedindo, (a gente) se lasca depois”, disse.

Japurá é um município localizado no extremo oeste do Amazonas, com pouco mais de 1,7 mil habitantes e 55,8 mil quilômetros quadrados e coberta majoritariamente pela floresta amazônica. É uma das áreas mais remotas do Brasil, equivalente a 35 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Sua única ligação física com a capital do estado, Manaus, é o rio Japurá, em uma viagem que pode levar até uma semana. Nas últimas décadas, o município se tornou uma importante porta de entrada para drogas produzidas na Colômbia com destino ao Brasil, especialmente o “skunk”, uma espécie de maconha considerada mais potente que a maconha normal.

O ambiente passou a ficar ainda mais tenso com o avanço da extração ilegal de ouro na região. Segundo a PF, nos últimos três anos, houve um aumento da atividade garimpeira na área. Dezenas de dragas e centenas de garimpeiros aproveitam a pouca fiscalização das autoridades na região e levam dragas que revolvem o leito do rio em busca do minério ao mesmo tempo em que liberam mercúrio na água e no ar. Apesar desse cenário, a cidade conta com apenas dois policiais civis e seis policiais militares.

“Japurá fica numa região muito isolada e muito pobre e que precisa de um reforço da segurança”, reconhece o chefe do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) da Polícia Civil do Amazonas, Paulo Mavignier.

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G1

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