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Grupo protesta contra projeto de Doria que prevê conceder Complexo do Ibirapuera à iniciativa privada

Um grupo de manifestantes protesta em frente ao ginásio do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo, na manhã deste domingo (6). O ato é contrário ao projeto da

SP Politica
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Redação Publicado em 06/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 11h42


Manifestação ocorre após Conselho de Defesa do Patrimônio rejeitar pedido de tombamento do conjunto esportivo. Com recusa, ginásio poderá ser demolido e transformado em shopping, como prevê proposta do governo. Atletas e medalhistas olímpicos participaram do protesto na manhã deste domingo (6).

Grupo protesta contra projeto de Doria que prevê conceder Complexo do Ibirapuera à iniciativa privada

Um grupo de manifestantes protesta em frente ao ginásio do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo, na manhã deste domingo (6). O ato é contrário ao projeto da gestão de João Doria (PSDB), que prevê entregar o complexo à inciativa privada e transformar o ginásio em um shopping center e o atual estádio de atletismo em uma arena multiuso.

Os manifestantes protestam em defesa do esporte e contestam a proposta do governo. Dois ex-atletas e medalhistas olímpicos, Marren Maggi e Aurélio Miguel, participaram do protesto.

Maurren Maggi participa de ato contra privatização de ginásio do Ibirapuera  — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Maurren Maggi participa de ato contra privatização de ginásio do Ibirapuera — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

“Todos os medalhistas do Brasil já passaram por aqui um dia. Vai ser uma pena se isso acontecer. Nossa batalha é para que não aconteça essa privatização. A gente quer o complexo do jeito que ele tem que ser, e ele tem que ser reformado para a gente, e não virar shopping”, disse a saltadora e velocista Maurren Maggi ao G1.

Protesto contra privatização do ginásio do Ibirapuera  — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Protesto contra privatização do ginásio do Ibirapuera — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Protesto na Zona Sul de SP — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Protesto na Zona Sul de SP — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Tombamento rejeitado

Nesta segunda-feira (30), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) rejeitou o pedido de abertura do processo de tombamento do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, onde está localizado o ginásio.

Sem o tombamento, fica liberada a derrubada de estruturas do complexo, previsto para ser entregue pelo governo paulista à iniciativa privada, em formato de concessão.

Concessão do Complexo do Ibirapuera causa polêmica
Concessão do Complexo do Ibirapuera causa polêmica

Em reunião virtual, os conselheiros decidiram por 16 votos a 8 em não levar adiante o processo que pedia o início do estudo para o tombamento do prédio do ginásio e outros equipamentos esportivos que ficam na área do complexo, como o estádio de atletismo e o conjunto aquático.

O destino do Complexo Esportivo do Ibirapuera é alvo de embates entre o poder público e especialistas em arquitetura e urbanismo.

O governo do estado de São Paulo, que administra o espaço, defende a concessão da área para a iniciativa privada, com previsão de demolição e novas construções.

Reunião virtual dos conselheiros do Condephaat nesta segunda-feira (30). — Foto: Reprodução/Youtube

Reunião virtual dos conselheiros do Condephaat nesta segunda-feira (30). — Foto: Reprodução/Youtube

O edital de concessão está em fase de preparação pela gestão João Doria (PSDB), que promete para dezembro deste ano a publicação do documento. A concessão do complexo para a iniciativa privada foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 27 de junho do ano passado, através da lei estadual 17.099/19.

Deputados estaduais contrários à concessão afirmam que o estudo referencial que embasa o edital do governo Doria sugere a construção de uma arena multiuso coberta para 20 mil pessoas no lugar do estádio de atletismo, e a transformação do ginásio do Ibirapuera em shopping center, com a construção de torres comerciais ao lado. Uma delas dará lugar a um hotel.

Caso o tombamento fosse autorizado pelo Condephaat, a derrubada dos prédios seria proibida e a concessão do espaço perderia valor e interesse dos empresários interessados em explorar a área, que está localizada em uma das regiões mais ricas e valorizadas da cidade de São Paulo, segundo as entidades da sociedade civil que defendem a preservação do patrimônio.

“Este projeto inclui a construção de uma arena e prevê a demolição de todos os equipamentos esportivos, com exceção do ginásio principal, que seria transformado em centro comercial. (…) Esse é um espaço marcante no conjunto da arquitetura moderna brasileira, fundamental para compreender as arquiteturas para o tempo livre e o lazer. A defesa, portanto, do Ginásio do Ibirapuera e do Complexo Esportivo é também uma defesa do direito ao lazer e das políticas públicas relacionadas ao esporte”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e colunista da Rádio USP, Giselle Beiguelman.

Em nota, o governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Esportes, afirma que a concessão do espaço vai exigir do novo concessionário investimento mínimo de R$ 220 milhões.

Projeto do governo de São Paulo para a modernização do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo. — Foto: Reprodução

Projeto do governo de São Paulo para a modernização do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo.

“Para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual”, disse a secretaria (veja íntegra abaixo).

A pasta defende ainda que, com a concessão, “o estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais”.

Ex-presidente do Condephaat entre 2013 e 2015, Ana Lucia Duarte Lanna lamentou a decisão do órgão de não iniciar os estudos para tombamento do complexo e afirmou que se trata de uma “decisão açodada”, que “tira a pluralidade arquitetônica e social” do complexo Constâncio Vaz Guimarães.

“Quando o órgão decide abrir o estudo para o tombamento, ele dá uma oportunidade para a sociedade civil debata com seriedade o destino que quer dar àquele determinado prédio ou espaço. Essa decisão açodada não permite que a população reflita sobre o destino de um lugar tão significativo para a cidade, numa área tão central e importante. O projeto do governo paulista tira, principalmente, a pluralidade do complexo, que é uma área onde pessoas de várias classes sociais frequentam e está atrelado à formação de atletas importantes. Com essa concessão, sai a pluralidade e o espaço se transforma em mais um centro de consumo, com shopping e hotel, como se a cidade já não tivesse o suficiente”, afirma.

Apresentação do governo de São Paulo mostra o futuro do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, após concessão à iniciativa privada. — Foto: Reprodução

Apresentação do governo de São Paulo mostra o futuro do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, após concessão à iniciativa privada. — Foto: Reprodução

Carta pública

Ana Lucia Duarte Lanna e Giselle Beiguelman são signatárias de uma carta pública aberta à comunidade, na qual um grupo de professores e pesquisadores da FAU afirmam estar “extremamente preocupados” com o destino que a gestão Doria pretende dar ao complexo esportivo do Ibirapuera.

“O projeto [de concessão], tal como estruturado, representa séria ameaça à integridade física e ao funcionamento de um equipamento esportivo que, além de ser muito utilizado na formação de atletas no Brasil, é constitutivo da história da cidade de São Paulo e realização fundamental da história da arquitetura brasileira. Além disso, tem grandes valores de uso e afetivo pela comunidade esportiva que dele faz intenso uso desde os anos 1950”, diz a carta.

O arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Nabil Bonduki, também assinou a carta, e disse que a concessão seria ilegal porque o terreno é municipal e foi cedido ao estado na década de 40 para uso exclusivamente esportivo.

“A questão central é que é um terreno do município, destinado para um parque”. Segundo o professor, para realizar a mudança de função de uso, seria necessário uma nova lei ser aprovada na Câmara Municipal da cidade.

Publicação do grupo "S.O.S Ginásio do Ibirapuera", que quer o tombamento do ginásio na Zona Sul de SP. — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Publicação do grupo “S.O.S Ginásio do Ibirapuera”, que quer o tombamento do ginásio na Zona Sul de SP. — Foto: Reprodução/Redes Sociais

O grupo da FAU lançou um movimento chamado “S.O.S Ginásio do Ibirapuera”, que criou uma petição online com mais de 6 mil assinaturas pedindo a preservação do prédio, tal qual ele foi concebido, e se posicionando contra o projeto do governo tucano de conceder as áreas do complexo às empresas privadas.

“A proposta em curso de transformação do Complexo em equipamento privado alterará de maneira grave e irreversível a sua materialidade. Ela desconsidera a organização dos espaços livres, a excelência e a qualidade de sua arquitetura, o seu papel na memória e na paisagem urbana de São Paulo. A execução de um projeto com tal caráter destruirá parte da história e da memória da cidade, comprometendo também o seu desenvolvimento futuro”, afirmam os pesquisadores da FAU.

Em nota, a Secretaria Estadual de Esportes não diz especificamente o que será feito com o ginásio do Ibirapuera, e afirma que, com a concessão, “eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo”.

Mudanças na composição do órgão

Os defensores do tombamento do complexo do Ibirapuera criticam a decisão desta segunda (30) do Condephaat e dizem que o governo paulista alterou a composição do órgão em abril do ano passado “para atender os interesses do mercado”.

“Esse resultado do Condephaat também expressa a mudança do conselho, retirando o caráter técnico e homologando o que o estado quer”, disse Bonduki.

O Condephaat era formado por 30 representantes, mas o decreto publicado por Doria reduziu o número de conselheiros do órgão para 24. As mudanças implicaram no aumento da representação do governo nas decisões e redução da quantidade de cadeiras ocupadas por pesquisadores da USP, da Unesp e da Unicamp, que caiu de 46,6% para 20% do conselho.

Os acadêmico eram 14 das 30 cadeiras e passaram para 5 das 24 cadeiras do Condephaat, todos eles escolhidos pelo governador. O número de cadeiras reservadas aos órgãos ligados ao governo (secretarias, estatais e Procuradoria-Geral do Estado) foi de 13 para 12. A Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), que tinha representação no conselho até 2019, foi retirada da lista, assim como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Na ocasião, a gestão Doria justificou a mudança dizendo que “buscou-se a premissa de tornar o Conselho paritário, ou seja, ter número equivalente de membros do governo e da sociedade civil – o que, por princípio, deveria ser a composição deste e de todos os Conselhos de Estado – garantindo um equilíbrio plural” ao Condephaat.

Para Ana Lanna, ex-presidente do órgão, as mudanças promovidas por Doria no Condephaat comprometeram o caráter Estado do conselho, tirando a independência do órgão em relação ao mercado mobiliário.

“Antes da mudança, o Condephaat tinha um caráter de órgão de Estado, com embates enormes entre os conselheiros ligados às universidades, que nunca enxergavam os temas de forma consensual. Agora, contudo, o órgão se converteu em uma instância de governo, sujeito à lógica de uma gestão que pode mudar e é muito ligada aos interesses do mercado imobiliário, como se o Condephaat fosse um órgão gestor de uma empresa privada, sem a autonomia que precisa para tomar decisões fundamentais para a cidade”, disse.

Íntegra da nota da Secretaria de Esportes do estado

“A Secretaria de Esportes do Estado esclarece que o processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (Ibirapuera), aprovado pela Alesp com o PL 91/2019, prevê investimento mínimo de R$ 220 milhões para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual. Com a concessão, eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo, gerando mais emprego e renda para a cidade de São Paulo. Por sua vez, o Estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais. A previsão é que o edital seja publicado em dezembro de 2020. Sobre a reunião ocorrida ontem (30/11) no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), o placar foi de 16 a 8 contra a abertura do processo de tombamento do complexo”.

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G1 – Globo

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