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Ginásio do Ibirapuera: o discurso do lucro para mascarar a incompetência e má vontade

Não é exagero dizer que há mais de uma década o Complexo Esportivo Vaz Guimarães, que abriga o Ginásio do Ibirapuera, vive à própria sorte. Ou, então, que

Ginásio
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Redação Publicado em 21/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 15h42


Local é a primeira joia da coroa do Complexo Vaz Guimarães e uma construção histórica da cidade. Infelizmente, também é o primeiro que os gestores querem ver no chão

Não é exagero dizer que há mais de uma década o Complexo Esportivo Vaz Guimarães, que abriga o Ginásio do Ibirapuera, vive à própria sorte. Ou, então, que aguarda apenas um tiro de misericórdia para vir abaixo.

Atletas que frequentam as dependências do conjunto, profissionais ou amadores, há tempos sabem que os dias daquele que é um marco arquitetônico da capital paulista, idealizado e erguido com o Parque Ibirapuera, nos anos 50, estão contados. E, se seguir como o governo de São Paulo pretende, ao invés dos feitos esportivos e culturais, será símbolo da má gestão de supostos bons gestores.

Nos últimos anos, não foram poucos os exemplos de incompetência na administração do Vaz Guimarães. No fim de 2009, já sob a expectativa da Rio 2016, atletas brasileiros de altíssimo nível, como Maurren Maggi (ouro na olimpíada de 2008) e Fabiana Murer (campeã mundial em 2010 e pan-americana em 2007), tiveram de improvisar para terem uma pista com mínimas de condições de treino.

Na época, Maurren disparou contra a situação do estádio Ícaro de Castro Melo: “Se eu fosse treinar no piso normal, acabaria com meu outro joelho… Deveria ter um monte [de pistas de atletismo]. Uma cidade como São Paulo… Mais de 50% da nossa seleção é paulista. Tinha de ter uma pista a cada dez quilômetros”.

A campeã olímpica reclamou em vão, pois, por mais que reparos tenham sido feitos, a situação geral do Vaz Guimarães só piorou desde então.

Nas piscinas, também na última década, mais uma aula de ineficiência de gestão pública. Menos de três anos após investir cerca de R$ 30 milhões na reforma do complexo aquático, o descolamento de azulejos levou à interdição da piscina olímpica por mais de um ano. Os vestiários, teoricamente incluídos na mesma reforma, têm goteiras e ferragens à mostra. Há anos eles contam com apenas dois chuveiros elétricos.

No início da atual gestão do governo estadual, os frequentadores das piscinas do Ibirapuera ficaram mais de seis meses sem poder nadar lá porque faltavam salva-vidas à beira das piscinas por problemas na contratação dos profissionais para a tarefa. Enquanto isso, os administradores do local permitiram que empresas privadas cobrassem por treinos particulares no espaço. Não precisa muita imaginação para constatar que quem não tem condições de pagar para fazer esporte saiu perdendo.

Nas quadras de tênis, grupos também dão aulas particulares. De novo, nada parece eficiente, muito menos transparente.

Nos anos 80, assisti a vários jogos de vôlei no ginásio, principalmente as finais do feminino entre Pirelli x Paulistano, que era a grande rivalidade da época. Sem contar shows de grandes nomes da música, como Moraes Moreira, Simone, Rita Lee, Titãs, Van Halen e tantos outros.

O ginásio é a primeira joia da coroa do Vaz Guimarães e uma construção histórica da cidade. Infelizmente, também é o primeiro que os gestores querem ver no chão. Nem revitalização parece ser cogitada.

Na última sexta-feira, após ação de um grupo de grandes formadores de opinião, a juíza Liliane Keyko Hioki, do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu o processo de concessão do Vaz Guimarães. Na ação pública que pedia a suspensão da concessão tinha vários integrantes do grupo Esporte pela Democracia e nomes de peso do esporte brasileiro, como Vera Mossa (vôlei), Ana Mesquita (natação), Ricardo Prado (natação), Maria Julia Herklotz (esgrima) e o velocista André Domingos. A vitória é um alento diante de um processo em que o principal órgão de preservação do patrimônio histórico pouco fez para manter viva a memória do esporte e da cultura paulistana.

Ser um bom gestor não é só atender aos apelos de investidores ávidos por áreas nobres da cidade. Tampouco transformar marcos da cidade para criar no lugar deles construções com um ar moderno. As milhares de pessoas (sim, qualquer um pode treinar lá), atletas profissionais e funcionários que fazem parte do Vaz Guimarães merecem mais respeito. A memória paulistana também. Neste caso, fazer mais pela cidade e pelo estado é fazer o mínimo que se espera de uma gestão pública: zelar pelo patrimônio e pelo bem estar de seus cidadãos.

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GE – Globo Esporte.

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