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Filhos afegãos reencontram pais no Brasil após seis meses de fuga do Talibã

"Estávamos muito angustiados porque eu falei para o meu filho mandar uma foto assim que entrasse no avião, mas ele esqueceu. Eu estava com dúvidas se eles

Filhos afegãos reencontram pais no Brasil após seis meses de fuga do Talibã
Filhos afegãos reencontram pais no Brasil após seis meses de fuga do Talibã

Redação Publicado em 13/02/2022, às 00h00 - Atualizado às 15h58


Sorab Kohkhan vive com a mulher em São Paulo e voltou à terra natal para resolver questões burocráticas dias antes de o Talibã tomar o poder em Cabul, capital do Afeganistão.

“Estávamos muito angustiados porque eu falei para o meu filho mandar uma foto assim que entrasse no avião, mas ele esqueceu. Eu estava com dúvidas se eles viriam, com angústia, várias noites sem dormir.”

A apreensão do afegão naturalizado brasileiro Sorab Kokhan não é exagerada. Foram seis meses de espera para que dois filhos, uma neta e uma sobrinha desembarcassem no Brasil para o reencontro com a família.

Eles chegaram por volta de 10h da manhã desta quinta-feira (10) no Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Sorab e Raihanna têm um pequeno restaurante de comida afegã e tailandesa na rua Tamandaré, na Liberdade, centro de São Paulo. Eles moram em uma casa de quarto e sala num cortiço do lado do restaurante.

O casal tem cinco filhos. Os dois mais velhos estão no grupo que desembarcou na quinta-feira. Najiba, 36, e Abdullah, 17. Com eles vieram também a filha de Najiba e neta do casal, Azadeh, 16, e uma sobrinha, Setara, 24, cujo pai foi morto pelos talibãs.

Os filhos que ficaram têm 7, 12 e 14 anos. Eles não viajaram pelas dificuldades da fuga e porque os coiotes se recusam a atravessar os menores para o Paquistão.

“É uma felicidade, uma alegria, pelo menos salvamos alguma coisa do nosso coração, da nossa vida, do Afeganistão, e trouxemos aqui para o Brasil. Agora vamos lutar muito para trazer os outros.”

Casal afegão reencontra dois dos cinco filhos no Aeroporto Internacional de Guarulhos após meses de espera — Foto: Guilherme Balza/Globonews

Casal afegão reencontra dois dos cinco filhos no Aeroporto Internacional de Guarulhos após meses de espera — Foto: Guilherme Balza/Globonews

A família é da minoria étnica Hazara, de origem mongol, que está no Afeganistão desde o século 8. Os hazaras são xiitas, enquanto os talibãs são sunitas. Por causa disso, são um dos alvos preferenciais dos fundamentalistas.

Além disso, integrantes da família têm histórico de participação em grupos que combateram os talibãs e outros grupos jihadistas.

“Eles querem repetir a história do massacre do povo hazara. Agora não só com a gente, mas também com outra parte da população afegã, com os tadjiques, os uzbeques, turcomanos, cazaques. Todos esses têm problemas. Os talibãs são contra a humanidade.”

A fuga

Em agosto do ano passado, na época em que o Talibã retomou o controle do país, uma reportagem da Globonews mostrou a saga de Sorab para encontrar os filhos no Afeganistão. Na época, ele viajou ao país natal para resgatá-los e trazê-los ao Brasil. Sorab acabou voltando antes, em novembro, depois que os filhos conseguiram entrar no Paquistão.

Após o Talibã chegar ao poder, os filhos deixaram a província de Jaghori, na região do Hazaristão, área central do Afeganistão onde estão concentrados os hazaras, e se instalaram em Cabul. Na capital, se esconderam em cinco casas diferentes para despistar os talibãs.

Raihana Ebrahemi e Sorab Kohkhan, refugiados afegãos que vieram para o Brasil — Foto: Arquivo pessoal

Raihana Ebrahemi e Sorab Kohkhan, refugiados afegãos que vieram para o Brasil — Foto: Arquivo pessoal

Em novembro, eles iniciaram uma viagem ao sul, de carro e ônibus, para se aproximarem do Paquistão.

Ao longo do caminho eles recebem informações de pessoas conhecidas para que pudessem se deslocar com menos risco de serem abordados pelos fundamentalistas.

A família passou pela cidade de Gazni e depois por Kandahar. De lá, foram para Spin Boldak, já bem perto da fronteira. A travessia clandestina para o Paquistão durou mais de 30 horas, combinando viagem a pé, e em motocicletas. As mulheres cruzaram a fronteira em carroças puxadas por cavalos, com burcas. O traje imposto virou uma proteção para a fuga clandestina ao país vizinho. O filho Abdula, de 17 anos, atravessou a pé junto com outros garotos, mas machucou a perna numa corrida e foi pego pelos policiais da fronteira, que levaram o garoto de volta ao Afeganistão.

“A polícia do Paquistão me pegou e me bateu muito. Fiquei dez dias preso no Afeganistão sem comida. Foram momentos difíceis. Eu tinha pouca comida e pouca água.”

Abdula ficou dez dias preso até ser liberado e finalmente conseguir atravessar a fronteira. A travessia é feita mediante pagamento a uma espécie de coyote local, da etnia balochi, a mais numerosa daquela região.

No Paquistão, os filhos tiveram que continuar escondidos da polícia local, já que entraram de forma clandestina no país.

No Paquistão, eles moraram em Quetta e em Islamabad. Para viajar ao Brasil, eles passaram por uma entrevista em dezembro na Embaixada brasileira em Islamanad e conseguiram um visto humanitário. Foram dois meses até o Paquistão autorizar a saída do país.

Futuro

Azadeh, a neta, estava na escola e queria cursar jornalismo na universidade, mas precisou parar de estudar por causa dos talibãs.

Setara trabalhava como militar, mas perdeu o emprego porque os jihadistas não permitem que mulheres sigam a carreira militar.

Abdullah estudava Literatura na universidade, mas interrompeu os estudos após a ascensão do taleban. “Primeiro, eu quero aprender português. Eu tinha no Afeganistão vários sonhos. E agora no Brasil eu também tenho sonhos, aprender português, ir para a escola ou universidade.”

Najiba era professora de educação física para garotas. Organizava grupos de ciclistas mulheres e times de futebol e vôlei feminino, como forma de resistência à opressão dos fundamentalistas.

“Eu tinha 12 times de vôlei, tinha times de futebol, de futsal, quando o taleban voltou, ninguém mais pôde jogar nada. O ministro do esportes me ligou “Najiba, você tem que ir para outro país, se você ficar no Afeganistão, o taleban vai te matar, vai cortar o seu pescoço.””

Agora no Brasil a ideia é ajudar os pais no restaurante. “Eu quero aprender a língua do Brasil, quero trazer o resto da família do Afeganistão, trabalhar com a minha família, com a minha mãe, meu pai, no restaurante.”

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G1

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