Diário de São Paulo
Siga-nos

Empresas produtoras de matéria-prima são ligadas a 27% do desmatamento permanente no mundo, diz estudo

A perda permanente de uma em cada quatro árvores no mundo está ligada às companhias de commodities. Estudo inédito publicado pela revista "Science" aponta que

Empresas produtoras de matéria-prima são ligadas a 27% do desmatamento permanente no mundo, diz estudo
Empresas produtoras de matéria-prima são ligadas a 27% do desmatamento permanente no mundo, diz estudo

Redação Publicado em 13/09/2018, às 00h00 - Atualizado às 17h15


Companhias de commodities – agronegócio, mineração, celulose – representam a maior fatia de desmatamento na América Latina e na Ásia. Incêndios florestais já representam mais da metade do problema na Rússia, China e Sul da Ásia.

A perda permanente de uma em cada quatro árvores no mundo está ligada às companhias de commodities. Estudo inédito publicado pela revista “Science” aponta que o uso da terra por essas empresas é responsável por 27% de todo o desmatamento.

Há 15 anos, o nosso planeta perde 5 milhões de hectares de florestas todos os anos – três Alemanhas foram desmatadas neste período apenas devido a essas empresas produtoras de matéria-prima.

A pesquisa mostra que apesar de diferentes compromissos firmados, a taxa de desmatamento criado por essas companhias se manteve estável. No Brasil, em 2009, as 20 maiores empresas do país anunciaram uma “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”. Entre os objetivos, apoiar o mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD).

Recentemente, em 2014, mais de 400 empresas ativas na produção de pelo menos uma commodity – matéria-prima com preço determinado pela oferta e pela procura internacional – assinaram um compromisso de gerar zero desmatamento até 2020.

“Os dados mostram que infelizmente o desmatamento continua avançando. Por um lado, é fundamental que as empresas tenham total transparência das informações para mostrar que elas estão cumprindo com aquilo que se comprometeram, mas o números mostram que a taxa continua estável. É muita floresta perdida, são 5 milhões de hectares por ano”, disse Carlos Rittl, secretário-excecutivo do Observatório do Clima.

De olho nessas promessas empresariais, pesquisadores da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, em inglês), liderados por Philip Curtis, mapearam as perdas florestais com a ajuda de imagens de satélite e desenvolveram um modelo de classificação para determinar os causadores entre os anos de 2001 e 2015. O projeto é uma parceria com o Global Forest Watch, que monitora os dados de desmatamento no mundo.

“Examinei áreas em que a causa de um evento de perda de floresta era conhecida, criei um modelo de computador para padrões estabelecidos nesses locais e identifiquei todos os outros locais no planeta onde esses padrões também estavam presentes. Foi assim que o causador da perda de florestas foi determinado”, explicou. Ele usou, entre outras ferramentas, uma versão específica do Google Earth.

As causas do desmatamento permanente no mundo %
Dados foram publicados nesta quinta-feira (13) pela revista ‘Science’
Empresas de commodities: 27Agricultura: 24Incêndios florestais: 23Silvicultura: 26
Fonte: Science

O gráfico acima mostra que, em escala mundial, o problema é bastante dividido. A questão é que cada região do mundo apresenta um principal motivo para o desgaste e a perda de suas florestas. Na América Latina e especificamente no Brasil, o maior motivo, de acordo com o estudo, são as empresas de commodities. No caso da Rússia, China e Sul da Ásia, os incêndios florestais estão como a principal razão.

“A gente tem compromissos assumidos para 2020 aqui no Brasil. Na política nacional sobre mudança do clima o compromisso é correspondente a uma redução em 80% da taxa de desmatamento na Amazônia em relação a média histórica de 1996 até 2005. Isso significa limitar a 3.907 km² por ano. O dado mais recente, que é do ano passado, a gente estava com uma taxa 78% acima desta meta para 2020”, disse Rittl.

Os fatores causadores da perda de florestas no mundo entre 2001 e 2015 — Foto: Alexandre Mauro/G1

Os fatores causadores da perda de florestas no mundo entre 2001 e 2015 — Foto: Alexandre Mauro/G1

Causas da perda de florestas na América Latina %

Empresas de commodities: 64Agricultura: 24Silvicultura: 9Incêndios florestais: 1Urbanização: 1
Fonte: AAAS/Science

Dados do Brasil

Em entrevista ao G1, o coautor do estudo Christly Slay reconhece a importância do Brasil com relação ao assunto e diz que “abriga a maior biodiversidade florestal do planeta, por um isso desempenha um grande papel no combate ao desmatamento”. Ele lembra que mais da metade das emissões de carbono do país são atribuídas ao desmatamento e ao uso da terra.

“Compromissos são um ponto de partida, mas a continuidade do financiamento e do cumprimento desses mesmo compromissos, com os programas de REDD, são a única maneira de acabar com o desmatamento”, disse Slay.

O REDD é um mecanismo de compensação financeira para os países em desenvolvimento ou para comunidades desses países, pela preservação de suas florestas. Ele é visto como uma forma fundamental de redução da quantidade de CO2 lançada na atmosfera por conta do desmatamento em todo o mundo, causadora do aquecimento global. No início da década, o REDD se tornou ponto central das negociações de um novo acordo sobre o clima.

“Em 2004 foi um recorde. Foi a segunda taxa mais alta da história, desde que se começou a monitorar no final da década de 80 o desmatamento da Amazônia. O governo, na época, implementou um plano de prevenção e controle da Amazônia legal”, lembrou Rittl. “Isso foi o que inverteu a curva de desmatamento. Depois, a gente veio flutuando ano a ano”.

Mesmo assim, o Brasil ainda é responsável por quase 1,5 milhão de hectares dos 5 milhões perdidos devido às empresas de commodities.

“A gente vem flutuando ano a ano. Houve realmente uma redução importante, mas a gente não eliminou o problema. Esse estudo tem uma comparação do Brasil com todos os outros países. Pelo menos no ano de 2015, último dado, o país representa cerca de 30% do destamento global”, disse Rittl.

Desmatamento permanente e ‘não-permanente’

De acordo com Slay, o objetivo do estudo era fazer um mapa dos impulsionadores da perda de florestas no mundo. “Lançar uma luz sobre as regiões do mundo que estão sofrendo com o desmatamento permanente devido à agricultura”.

“Houve um mal-entendido de que toda a perda de cobertura florestal é um desmatamento permanente. Isso dificulta a atuação das companhias e a compreensão dos verdadeiros impactos de suas cadeias de suprimentos.”, disse.

Philip Curtis disse que é importante desenvolver um consenso sobre o que são os vários tipos e subtipos de perdas de florestas e sua relação com o uso da terra.

“Nem toda a perda de árvore é desmatamento, e nem todo desmatamento é igual”, disse.

“Por exemplo, talvez existam 15 tipos diferentes de agricultura itinerante que podem ser identificados, ou 4 tipos principais de incêndios florestais. Se pudéssemos ter categorias e definições mais refinadas e coordenadas que refletissem a variação de padrões na paisagem para todas as regiões do globo, isso nos permitiria ser mais consistente em nossas conversas e estudos sobre o desmatamento internacional”.

Compartilhe  

últimas notícias