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Em 9 de cada 10 votações na Câmara, DEM e PSL, agora unidos, votam praticamente igual

A fusão de DEM e PSL pode ter sido uma surpresa em meio a um sistema político altamente fragmentado, com 33 partidos registrados no TSE. Mas, segundo dados

Em 9 de cada 10 votações na Câmara, DEM e PSL, agora unidos, votam praticamente igual
Em 9 de cada 10 votações na Câmara, DEM e PSL, agora unidos, votam praticamente igual

Redação Publicado em 17/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h47


União Brasil, partido criado com a fusão de DEM e PSL, terá a maior bancada da Câmara e reúne partidos com históricos bem diferentes. Para cientistas políticos, estratégia eleitoral é apontada como principal motivo da fusão, que ainda precisa ser aprovada pelo TSE.

A fusão de DEM e PSL pode ter sido uma surpresa em meio a um sistema político altamente fragmentado, com 33 partidos registrados no TSE. Mas, segundo dados extraídos e analisados pelo g1, a criação da União Brasil não chega a surpreender se for levado em conta o comportamento dos parlamentares nas votações na Câmara dos Deputados. Em 86,4% das votações nominais da Casa, DEM e PSL votaram de forma muito semelhante.

Para o levantamento, foram analisados os votos dos deputados federais em todas as mais de 1.300 votações desde o início da legislatura, em fevereiro de 2019. As votações nominais são aquelas em que o voto de cada político é informado.

Durante a legislatura, inclusive, os votos de DEM e PSL ficaram mais alinhados. Em 2019, a taxa de convergência era de 62%. Em 2020, chegou a 98%; e, em 2021, 91,6%. Considerando todos os dados da legislatura (antes e depois do rompimento do PSL com o presidente Jair Bolsonaro e antes e depois da saída de Rodrigo Maia do DEM), o índice fica em 86,4%.

Fusão de DEM e PSL criará União Brasil: partido nasce com maior bancada da Câmara e de olho nas eleições de 2022 — Foto: Élcio Horiuchi/g1

Fusão de DEM e PSL criará União Brasil: partido nasce com maior bancada da Câmara e de olho nas eleições de 2022 — Foto: Élcio Horiuchi/g1

A fusão foi aprovada em convenção partidária conjunta do DEM e do PSL, em 6 de outubro deste ano. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda precisa aprovar a mudança.

A União Brasil, nome do novo partido, que adotará o número 44 nas urnas a partir de 2022, passará a ter a maior bancada na Câmara, com 82 deputados. Serão ainda oito senadores, quatro governadores e 558 prefeitos.

Atualmente, dois ministros são filiados ao DEM: Tereza Cristina (Agricultura) e Onyx Lorenzoni (Trabalho). Porém, alguns filiados votaram contra a fusão e já avisaram que não vão integrar a nova sigla, em especial aqueles próximos a Jair Bolsonaro.

Segundo o jornal O Globo, alguns partidos avaliam se juntar em federações para fazer frente à União Brasil. A janela partidária, em março de 2022, também deve facilitar trocas de partidos antes das eleições de 2022.

Os partidos que formarem federações deverão se manter unidos por pelo menos quatro anos, funcionando como um único partido no Congresso, dividindo Fundo Partidário, tempo de televisão e unificando o conteúdo programático e atuarão uniformemente no território nacional; entenda a diferença para as coligações.

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Convergências x discordâncias

Os parlamentares dos dois partidos votaram de forma muito semelhante em projetos nos quais não havia consenso na Câmara, como o texto-base da Reforma da Previdência. Todos os deputados do DEM foram favoráveis. No PSL, foram 51 dos 53 parlamentares.

Em votações de propostas com mais consenso, DEM e PSL também se posicionaram parecidos. É o caso das PECs do orçamento de guerra, do envio de mais recursos para municípios e também da nova regra para emendas parlamentares.

As proposições que vão ao plenário são definidas no colégio de líderes, com representantes de partidos, blocos, do governo, da maioria e da minoria. Para parte delas é comum que haja consenso quanto aos votos.

Já entre as votações que apresentaram maior divergência (uma minoria) entre DEM e PSL está a referente ao projeto que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens em 2019, com voto favorável do DEM e contrário do PSL.

Também em 2019 os partidos se posicionaram de forma oposta quanto aos projetos, como o que alterou regras do Fundo Eleitoral e outro que tratava do salário de funcionários de partidos políticos com recursos do Fundo Partidário.

Vantagem eleitoral

A cientista política Andréa Freitas, professora da Unicamp e coordenadora do núcleo de instituições políticas e eleições do Cebrap, diz que a fusão de DEM e PSL é “bastante vantajosa” do ponto de vista eleitoral e envolve partidos com históricos bem diferentes.

“O DEM (então PFL) é um partido que tinha cerca de 100 deputados há 20 anos, mas perdeu parlamentares com o enfraquecimento da parceria PSDB-PFL e a eleição do PT. A criação do PSD em 2011, que saiu de dentro do DEM, também pesou nisso.”

“Já o PSL era um partido insignificante do ponto de vista de votos e ganhou acesso a recursos impensáveis ao eleger 52 deputados em 2018, mas ainda não está espalhado no Brasil”, afirma.

Ela destaca ainda que DEM e PSL estão mais à direita no espectro político, embora haja partidos mais convergentes entre eles. Para a professora, a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara e também do DEM deu uma guinada para a direita no partido, que ficou mais próximo ao PSL.

Maia saiu da presidência da Casa em fevereiro deste ano e, depois, foi expulso em junho. Para a cientista política, o rompimento do PSL com o governo Bolsonaro, em novembro de 2019, não afetou os votos dos deputados do partido, que continuam muito alinhados ao governo.

Um estudo recente, com dados de votações da atual legislatura na Câmara dos Deputados, mostra que, apesar de PSL e DEM estarem mais à direita no espectro político, Patriota, PSC, PL, PP, Republicanos, PSD e PTB também orbitam aquele campo e chegam a ser até mais próximos entre si.

Posicionamento dos deputados federais, por partido, durante a atual legislatura, no governo Bolsonaro. À esquerda do gráfico, o partido está mais à esquerda no espectro político. À direita, o partido mais à direita no espectro político. — Foto: Gráfico de estudo feito pelos pesquisadores Fernando Limongi (USP/FGV), Andréa Freitas (Unicamp), Danilo Medeiros (Cebrap) e Joyce Luz (USP) para o artigo "Government and Congress" (Governo e Congresso, na tradução para o português)

Posicionamento dos deputados federais, por partido, durante a atual legislatura, no governo Bolsonaro. À esquerda do gráfico, o partido está mais à esquerda no espectro político. À direita, o partido mais à direita no espectro político. — Foto: Gráfico de estudo feito pelos pesquisadores Fernando Limongi (USP/FGV), Andréa Freitas (Unicamp), Danilo Medeiros (Cebrap) e Joyce Luz (USP) para o artigo “Government and Congress” (Governo e Congresso, na tradução para o português)

Fragmentação partidária

Para Andréa, ainda é cedo para afirmar que a fusão tem relação com a cláusula de desempenho (medida para combater a fragmentação partidária), já que “nenhum desses partidos tinha ameaça de desaparecimento nas próximas eleições” e a federação partidária deu uma “sobrevida” para pequenos partidos.

“O interesse é se fortalecer para as eleições ou ganhar força para ter um candidato a presidente ou a vice-presidente.”

O cientista político Fernando Meireles, pesquisador do Cebrap, concorda que a fusão tem relação direta com as eleições de 2022. Para ele, a União Brasil entra na disputa com maior peso para montar palanques pelo Brasil e pleitear cabeça de chapa para cargos do Poder Executivo, com acesso a mais recursos públicos que os demais partidos.

ACM Neto, presidente do DEM, descarta Bolsonaro após fusão de DEM e PSL

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Ele acredita que, caso não haja mudança nas regras nas próximas eleições, as fusões devem ocorrer com mais frequência, já que a cláusula de desempenho deve diminuir o número de partidos.

“Uma das grandes dificuldades para governabilidade no país é o grande número de partidos. O eleitor tem dificuldade de distinguir conteúdos programáticos e ter referências partidárias que realmente norteiam o posicionamento.”

“Com o passar do tempo, o sistema deve se tornar mais simples de ser operado do ponto de vista de governabilidade, com menos pessoas no colégio de líderes da Câmara, do Congresso e menos legendas para negociar a formação de chapas”, diz.

Nas eleições de 2018, 30 partidos elegeram representantes para a Câmara dos Deputados. O Brasil tem um dos sistemas políticos mais fragmentados do mundo, segundo o livro “Representantes de quem?”, do cientista político Jairo Nicolau.

Páginas especiais do g1

No ar desde maio de 2019, as páginas especiais “O voto dos deputados” e “O voto dos senadores” ajudam no acompanhamento do trabalho do Congresso. O projeto possibilita ver como cada político votou nos principais projetos votados no plenário da Câmara e do Senado e ainda filtrar por partido em cada votação.

Algumas das votações de destaque desta legislatura foram propostas de mudanças eleitorais (federação partidária, coligações e distritão) e outros projetos relevantes, como o pacote anticrime, o voto impresso e a autonomia ao Banco Central.

As páginas especiais foram lançadas em maio de 2019, quando a atual legislatura completou 100 dias de trabalho. E, em setembro de 2021, foram reformuladas para permitir uma navegação ainda mais fácil e com mais funcionalidades.

O voto dos deputados e dos senadores: como funciona a ferramenta reformulada do g1 — Foto: Kayan Albertin / g1

O voto dos deputados e dos senadores: como funciona a ferramenta reformulada do g1 — Foto: Kayan Albertin / g1

Metodologia

Para a captura dos dados completos de votações nominais, incluindo os deputados ausentes, o g1 utilizou os arquivos DBF do portal da Câmara dos Deputados de fevereiro de 2019 até março de 2020. Para o período de março de 2020 até outubro de 2021, foram considerados os dados das páginas HTML de cada votação. A API, que visa facilitar a extração de dados, não traz os deputados ausentes nas votações.

Para verificar o alinhamento dos partidos, considerou-se a adesão das bancadas ao voto “Sim” em todas as votações desta legislatura, até 15 de outubro de 2021. Quando essa diferença variou de 0 a 10 pontos percentuais ou de 0 a -10 pp, a análise, referendada por cientistas políticos, considera que houve alinhamento entre os partidos.

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G1
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