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Eleição abala grupos de amigos e famílias no WhatsApp; veja histórias e dicas para lidar com discórdias

As brigas em grupos de famílias e amigos no WhatsApp já são resultados certos na eleição de 2018 no Brasil. Quanto mais perto da votação, mais gente fala

Eleição abala grupos de amigos e famílias no WhatsApp; veja histórias e dicas para lidar com discórdias
Eleição abala grupos de amigos e famílias no WhatsApp; veja histórias e dicas para lidar com discórdias

Redação Publicado em 04/10/2018, às 00h00 - Atualizado às 10h51


As brigas em grupos de famílias e amigos no WhatsApp já são resultados certos na eleição de 2018 no Brasil. Quanto mais perto da votação, mais gente fala sobre os barracos nesses grupos e sobre sair deles e leia histórias abaixo sobre estas brigas.

O G1 conversou com pessoas que buscaram soluções para os conflitos – ou desistiram de vez. Também conversou com um psiquiatra sobre causas e possíveis atitudes diante das “tretas”. Controlar a impulsividade no uso das mídias sociais é uma das soluções.

Como as conversas no WhatsApp são privadas, é difícil medir a discórdia. O G1 buscou um termômetro em relatos no Twitter. O resultado dá um sinal de aumento de brigas e ainda de um “êxodo” dos grupos no meio de tanto barraco.

Conheça quatro histórias de pessoas que buscaram soluções para os conflitos no WhatsApp e outros aplicativos em tempos de eleições e conheça a seguir dicas de convivência:

1 – ‘Família mortadela’ aqui; ‘família coxinha’ ali

Desde a eleição de 2014 o grupo da família de Denise*, professora universitária em Belo Horizonte, ficou tenso. “Tinha parte de esquerda, outra de direita. Combinamos que não cabia política no grupo, mas não tinha jeito.”

“Tem gente na família que é provocadora”, ela reclama. “Cheguei a sair, mas me colocaram de volta.” O dia do julgamento do STF do habeas corpus do ex-presidente Lula foi dramático. “Meu irmão mandou uma foto de uma rosa quando a Rosa Weber deu o voto, para provocar. Nesse dia a própria filha dele o tirou do grupo.”

Depois ele voltou, e uma ideia aliviou a pressão nas conversas. O grupo principal foi mantido, com nova promessa de não falar de política. Este tema ficou para subgrupos.

“Minha sobrinha teve a ideia de criar o ‘Família Mortadela’ para compartilhar coisas de esquerda só entre essas pessoas. Assim dá para conversar sem parecer que está cutucando o outro. Ficou melhor, mais tranquilo.”

Ela não tem muitas informações sobre as conversas de direita do outro lado “coxinha”. Mas está satisfeita com o arranjo em tempos de eleição.

“Os cutucões no grupo principal estão sendo cada vez mais esporádicos. A gente gosta muito uns dos outros para ficar brigando. Não vale a pena”, ela conclui.

2 – Quem ama bloqueia?

A carioca Carla* se cansou de brigar com o namorado por política. Os dois estudam e moram juntos em Madri. “A gente ficava discutindo no Facebook mesmo morando juntos. Ele vinha falar: ‘Vê lá o que eu comentei no seu. E eu fui ficando com ódio'”, ela diz.

“A gente ficava lá na guerra. Entravam amigos dele e meus nas discussões”, ela conta. A solução foi drástica. “Eu o excluí do meu Facebook um dia sem falar nada. Aí ele ficou revoltado e me excluiu também”, ela diz. O rompimento foi só naquela rede social, e deixou os dois satisfeitos.

Mas isso não resolveu as discussões presenciais, que a deixam mais nervosa do que ele. “Eu quase enfarto quando falo de política, e ele não. Ele só diz: a gente não tá brigando, só discutindo”.

No WhatsApp não teve bloqueio, mas um acordo. “A gente sempre discutia, mas prometia não brigar. Já começava a me dar taquicardia, porque eu não aguento”, ela diz. “A gente prometeu não falar de política nem mandar memes pelo Whatsapp.”

Mesmo assim, eles discutiram pelo aplicativo há poucos dias, enquanto ela estava no Brasil e ele, na Espanha.

“Depois fizemos as pazes e prometemos não falar de política. Isso já tem três dias, é um recorde entre a gente”, ela comemora

“Que fique claro que somos felizes, ou seja, é possivel os opostos conviverem”, ela ressalta. “Só amor mesmo explica. Porque no final das discussões fica ‘eu te amo’ pra lá, ‘eu te amo’ pra cá, e que isso não é nada…”

3 – Fim do almoço de domingo

Entre pessoas que, cada vez mais, desabafam após sair do grupo da família, o G1 achou no calor do momento a estudante de Direito Ana*, de Campo Grande. Ela tinha postado sobre a saída havia poucas horas no Twitter, e topou falar mais sobre o caso.

“O grupo tem três anos e basicamente só servia para desejar feliz aniversário e combinar almoços. Depois alguns começaram a postar de política e isso gerou discussões”, ela conta.

“Teve gente que se exaltou e acabou xingando outros familiares. Desde essa briga as coisas ficaram diferentes, porque nem almoço mais tem. A família se dividiu”.

Ana ficou triste com o fim dos almoços e ainda persistiu no grupo, que foi sendo abandonado por outros integrantes, por cinco meses. Na última quinta-feira (27), desistiu. “Continuam postando coisas sobre eleição e isso me irrita muito, porque ninguém ali aceita ser contrariado”.

“A maioria das coisas que são postadas são fake news [informações falsas], para mim isso é fanatismo político, e intolerância por não aceitar o diferente, ainda mais vindo de alguém que é seu parente”, ela desabafa.

“Fico triste porque vivemos em um país onde a opinião é livre, mas infelizmente a família, onde mais deve ter compreensão e perdão, não tem. É decepcionante. Até evito me manifestar porque penso: ‘Se meus familiares se afastaram por isso, os outros com certeza vão fazer o mesmo'”, ela diz.

4 – Amigos reunidos… e separados

O bancário Luís André ficou feliz quando conseguiu reunir seus ex-colegas do Colégio Marista de João Pessoa depois de 28 anos de formados, em 2013. “Fizemos um encontro em 2014 e depois uma grande festa de 30 anos de formados”, ele lembra.

O grupo de WhatsApp chegou a ter mais de 100 pessoas. “Era muito animado, tinha até mil mensagens por dia. Até casal se formou, de dois colegas que eram divorciados e começaram a conversar lá”, conta Luís.

“Tinha muito médico, advogado, juiz, gente mais de direita, e também de esquerda”, ele descreve. O caldo começou a entornar em 2016, com o impeachment de Dilma. “A gente tentou evitar, mas não teve jeito. Postavam muita sacanagem, era muita briga.”

“Ano passado já não houve festa nenhuma. Esse ano não vai ter. Eu era o criador do grupo, e me arretei tanto que até apaguei foto”, ele admite.

“Por conta de política acabaram os encontros, não tem mais nada. Eu me aborreci e me afastei. Hoje a gente vê no Facebook postagem de um, de outro. São amigos que viraram colegas. Perdi o contato e a vontade de estar lá”, lamenta.

E aí, como lidar?

“A gente ainda usa as redes sociais de um jeito imaturo. É muito fácil entrar e sair. A gente faz isso de um jeito impulsivo”, diz Pedro de Santi, psicanalista e mestre em Filosofia pela USP.

“As redes tendem a ser invasivas. Eu mando minhas coisas sempre na melhor intenção. Isso invade a linha do tempo de outra pessoa que não vê assim. Muitas vezes ela se sente agredida e no direito de responder agressivamente”, ele descreve.

Além disso, os aplicativos criam uma sensação de ansiedade para ler e responder na mesma hora. “Eu deveria pensar e não penso. Isso faz da mídia social um campo de raiva. Estamos cansados dessa invasão, e nosso pavio fica mais curto.”

“A gente fala muito da intolerância dos outros, mas não pensa na intolerância que nós mesmos exercemos”, ele diz.

Pedro descreve passos para tentar conviver nos grupos. Ele tenta responder aos dilemas dos casos acima: por que chegamos a essa situação e quando vale a pena insistir na presença no grupo? Veja os conselhos:

  1. Não se consumir no celular – “Antes de tudo, é preciso aprender uma medida de uso dessas mídias. Nós estamos encantados com elas e usamos muito mais do que seria proveitoso. É preciso pensar no quanto usar de energia e tempo com elas.”
  2. Insistir na tolerância – “O fato de sair do grupo não vai fazer você amadurecer. Você amadurece é na conversa. Às vezes dá um embrulho no estômago de pensar nisso, mas é preciso. Se possível, deve-se sustentar mais na discussão, sem sair no primeiro conflito.”
  3. Agressão é o limite – “Se você mesmo acha que a melhor resposta é atacar pessoalmente o outro, é melhor sair do que agredir e xingar. Este limite tem que existir.”
  4. Entender laços de família – “Em família há outros assuntos velados. A política é usada para mapear questões anteriores, de vínculos profundos. Remete aos ‘barracos’ de Natal. É mais passional e primitivo. É preciso ter consciência que o estrago de uma briga é maior, mas também o motivo para recompor a relação depois.”
  5. Pensar no dia seguinte – “É preciso lembrar que vamos conviver depois das eleições. Quando passa a paixão, alguns vínculos são recuperados. Não dá para queimar todas as pontes, porque para reconstruir pode ser complicado. Comece se perguntando em como você pode estar sendo intolerante.”
  6. * Os personagens citados na matéria pediram para não ter os sobrenomes divulgados.

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