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Do Beira-Rio para D’Alessandro: você não pode ir embora

Aqui quem escreve é o Beira-Rio.

Do Beira-Rio para D’Alessandro: você não pode ir embora
Do Beira-Rio para D’Alessandro: você não pode ir embora

Redação Publicado em 19/12/2020, às 00h00 - Atualizado em 20/12/2020, às 05h19


Na despedida de D’Ale do Inter, escritor Fabrício Carpinejar escreve carta em “nome” do Beira-Rio para o ídolo

Aqui quem escreve é o Beira-Rio.

Sei que você falou que nada mudaria a sua decisão de se despedir do Inter, mas não pode deixar de ouvir a opinião do estádio, não pode virar as costas para a sabedoria dos mais velhos, de quem tem 51 anos e já viu de perto Claudiomiro, Valdomiro, Falcão, Carpegiani, Gamarra, Figueroa, Rubén Paz, Manga, Escurinho, Dadá, Fernandão, Taffarel, entre tantos, que testemunhou o tricampeonato brasileiro, o bicampeonato da Libertadores, a Recopa, a Sul-Americana.

Então, me escute. Por mais que eu já tenha chorado de alegria ao longo das minhas cinco décadas, nunca tinha conhecido alguém como vocêtão encarnado, tão colorado, tão enlouquecido, desconcertante com seu elástico, imprevisível com La Boba, chamando o jogo para si, festejando até escanteios, cobrando falta com efeito, estufando o peito e berrando: aqui é o Inter!

Foi singular entre tantas lendas, especial entre tantas façanhas, o terceiro na história que mais vestiu o manto vermelho, com 516 partidas e 95 gols.

D'Alessandro posa com todas as taças conquistadas pelo Inter — Foto: Divulgação/Internacional

D’Alessandro posa com todas as taças conquistadas pelo Inter — Foto: Divulgação/Internacional

Parece que foi ontem que o vi chegando. Lembro de seu primeiro gol em Gre-Nal, no Brasileirão de 2008, naquela goleada inesquecível de 4 a 1 no rival, com seu canhão de canhota, de primeira.

É sempre ontem nestes doze anos. Camisa dez habilidoso e bailarino, mas com raça e sangue de zagueiro, que não leva desaforo para o vestiário.

Você não saia do túnel como os outros, porém vinha direto da Popular, da Camisa 12, da Super Fico, tal grau de identificação com o nosso torcedor.

Aprendi a respeitá-lo, a adorá-lo, a entender o tamanho do seu coração, o quanto ajudava crianças com câncer e organizava doações com o Lance de Craque.

Você se importa conosco, você se dedicou a lutar pela nossa gente dentro e fora do campo.

Desejo dizer que você não pode ir embora assim. Não sem a torcida, não é justo acenar para os alto-falantes, com as cadeiras vazias.

Você merece mais, eu mereço mais, merecemos casa cheia. Se não houvesse a pandemia, a torcida estaria gritando o seu nome e pedindo que ficasse.

D’ Ale, você não iria resistir, não iria aguentar.

D'Alessandro Inter x Pelotas — Foto: Ricardo Duarte/Divulgação Inter

D’Alessandro Inter x Pelotas — Foto: Ricardo Duarte/Divulgação Inter

Só não está podendo olhar a nossa dor de perto, a nossa saudade, talvez esteja achando que aceitamos as suas malas prontas passivamente.

Claro que não!

Se quiser, eu converso com o novo presidente. Se quiser, uso meus poderes sobrenaturais: promovo greve, seco a grama, apago os refletores, impeço qualquer rodada de acontecer.

Chamo o rio Guaíba para dentro, cancelo o pôr-do-sol, convenço Menino Deus a vaiar comigo.

Não concordo que a partida com Palmeiras neste sábado (19/12) é o fim do ciclo, não tem ainda a minha benção. Você é necessário em mais um recomeço, meu capitão, meu general. Será o incentivo para os mais novos, um exemplo de liderança para as bases.

Há o costume dos jogadores beijarem o gramado, aqui é o contrário: o gramado é que beija o jogador. Eu o beijo por gratidão. Esse é o seu lugar para sempre.

Permaneça mais um ano. Quero que se despeça com título, em volta olímpica, nos braços da nossa multidão. De nenhum modo, no silêncio, no distanciamento, apartado dos cânticos das organizadas.

Como um bom argentino, faça a reconciliação com estardalhaço.

Como um bom gaúcho, não largue a sua Querência.

Com amor,

Estádio José Pinheiro Borda, o Gigante da Beira-Rio

Porto Alegre, 19 de dezembro de 2020.

Texto escrito por Fabrício Carpinejar a pedido do ge. Carpinejar é escritor, jornalista e, sobretudo, um colorado apaixonado e fã de D’Alessandro

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GE – Globo Esporte

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