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Esse artigo inaugura uma série mensal de artigos que com satisfação escreverei nesse periódico.

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Redação Publicado em 06/08/2018, às 00h00 - Atualizado às 08h48


Esse artigo inaugura uma série mensal de artigos que com satisfação escreverei nesse periódico.

A ideia é trazer para o leitor as atualidades do mercado imobiliário. Advogado que sou, seguirei a linha de tudo quanto importante, latente e problemático no mercado. Aquilo que está em voga, aquilo que tem dado dor de cabeça ao comprador adquirente ou ao vendedor incorporador e/ou construtor.

Por assim ser, não poderia nessa primeira coluna tratar de outro tema que não o tão famoso “distrato” de contrato de venda de imóvel “na planta”.

Após o boom imobiliário de 2006 a 2013, o mercado desacelerou gerando um grande número de imóveis em construção ou prontos sem compradores, ocasionando uma paralisação brusca na área da construção civil com efeitos sociais, como o aumento da taxa de desemprego.

Devido ao desequilíbrio financeiro vivenciado em razão da crise, observou-se um aumento assustador de promoção de medidas judiciais visando ao rompimento dos contratos de compra e venda firmados pelos adquirentes de unidade imobiliária.

Pois bem. Um imóvel objeto de futuro condomínio costuma levar de três a quatro anos para ser construído. Ou seja, da data em que o comprador assina o contrato no stand de vendas da incorporadora, até o momento em que recebe as chaves, diversos meses são decorridos.

Nesse período, duas principais variantes podem alterar a situação negocial das partes. A primeira diz respeito ao próprio imóvel objeto da aquisição. Seu preço pode subir (o que ocorreu na época do boom) ou cair.

Uma vez subindo o valor, decerto não pretenderá esse adquirente se desfazer do negócio podendo, inclusive, cede-lo auferindo o lucro ainda durante a construção.

Se o preço cair, entretanto, por lei também não poderá desistir do negócio, eis que se trata de contrato em que ausente o chamado “direito de arrependimento”.

A outra variante se refere à situação econômica do comprador. Se por algum motivo esse ficar desempregado, por exemplo, e não tiver mais condições financeiras para arcar com o pagamento do preço assumido no momento de assinatura do contrato, tem o Poder Judiciário entendido que, apesar do contrato ser irretratável, por um fato superveniente (incapacidade financeira), pode esse comprador pedir a ruptura do contrato e o recebimento de parte dos valores pagos, descontada uma multa a ser estipulada.

Em resumo, nada mudou na legislação ou no Poder Judiciário a respeito da impossibilidade do comprador do imóvel na planta simplesmente querer desistir sem motivo da aquisição firmada. A não ser que demonstre cabalmente que a sua situação financeira se alterou do momento da assinatura até o momento do alegado pedido de rescisão contratual, de modo a ter se tornado incapaz financeiramente, não pode abrir mão do compromisso assumido.

Podemos dizer, portanto, que se o comprador simplesmente estancar o pagamento do preço assumido, tendo condições financeiras para honrar o contratado, pode a vendedora optar por cobrar os valores devidos, em vez de pedir a rescisão do contrato por inadimplemento.

Algumas decisões judiciais mais recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como do Superior Tribunal de Justiça, têm caminhado nesse sentido.

Note-se que esse entendimento não visa proteger aos interesses individuais das vendedoras, em detrimento dos compradores consumidores.

Em verdade, o condomínio futuro será composto pela reunião de adquirentes dessas unidades imobiliárias. Prestigiar a desistência imotivada de qualquer comprador seria onerar a coletividade de adquirentes desse empreendimento, que dependem do pagamento do preço por cada um dos compradores que assumiram o valor em contrato para a efetiva construção e término da obra.

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