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Dia do Professor: veja como uma unidade socioeducativa do DF se tornou referência em cultura e educação

Jovens que cumprem medida socioeducativa no Distrito Federal se tornaram protagonistas de uma nova história, neste ano. Os 149 adolescentes da Unidade de

Dia do Professor: veja como uma unidade socioeducativa do DF se tornou referência em cultura e educação
Dia do Professor: veja como uma unidade socioeducativa do DF se tornou referência em cultura e educação

Redação Publicado em 15/10/2018, às 00h00 - Atualizado às 16h11


Centro em Santa Maria é semifinalista em prêmio do Fundo das Nações Unidas para a Infância. Unidade com 149 internos concorreu com 500 escolas e projetos sociais do país.

Jovens que cumprem medida socioeducativa no Distrito Federal se tornaram protagonistas de uma nova história, neste ano. Os 149 adolescentes da Unidade de Internação de Santa Maria conquistaram a posição de semifinalistas em um concurso nacional sobre desenvolvimento integral de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Ao todo, 500 escolas públicas e ONGs de todo o Brasil se inscreveram. A unidade representante do DF é a única concorrente em que os participantes estão privados de liberdade. O resultado será divulgado em novembro.

O caminho para chegar à indicação ao prêmio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) foi longo. Para entender como a unidade que abriga adolescentes em conflito com a lei chegou a se tornar referência em cultura e educação, o G1 foi até a unidade conversar com os envolvidos (veja abaixo).

A reportagem faz parte da série “Professores que transformam”. De sexta-feira (12) até esta segunda (15) – Dia do Professor – o G1 contou histórias de educadores que fazem a diferença.

Vista de um módulo da unidade de internação de Santa Maria, no DF — Foto: Marília Marques/G1

Vista de um módulo da unidade de internação de Santa Maria, no DF — Foto: Marília Marques/G1

Cerca, muros altos e cores

No centro de internação em Santa Maria, no Distrito Federal, os muros altos, a cerca de arame farpado e os quase 10 portões que é preciso cruzar até chegar às áreas de convivência se assemelham a qualquer lugar onde há pessoas privadas de liberdade.

No entanto, o colorido dos muros e as flores espalhadas em jardins mostram que existe alguma coisa diferente no lugar – que abriga jovens que praticaram algum tipo de crime.

  • Jovens que passaram pelo socioeducativo voltam à unidade como educadoras

Lá dentro, nos chamados módulos, meninos e meninas ficam cerca de três horas e meia – de segunda a sexta – nas salas de aula. De manhã, aulas do ensino regular. À tarde, cursos profissionalizantes e atividades como rodas de conversa sobre mediação de conflitos.

Às 17h, pontualmente, os adolescentes voltam para as “celas”. Foi em um desses momentos de retorno ao “barraco” – como os jovens chamam os quartos onde dormem – que o G1 conversou com os internos.

Adolescentes de 16 e 17 anos que cumprem pena na unidade mista de internação em Santa Maria, no DF — Foto: Marília Marques/G1

Adolescentes de 16 e 17 anos que cumprem pena na unidade mista de internação em Santa Maria, no DF — Foto: Marília Marques/G1

Olhar para o futuro

Na ala feminina, 100% das socioeducandas se dizem “satisfeitas por terem com o quê ocupar a cabeça”. O tempo é preenchido com atividades de música, poesia e fotografia proporcionados pelo projeto “Ondas pela Paz”. Foi esta iniciativa que levou a unidade à semifinal do concurso.

Perguntada sobre como se vê em futuro próximo, daqui a 10 anos, uma das adolescentes que cumpre pena há oito meses é categórica ao afirmar que “com certeza não estará mais no crime”.

O medo que ela expressa é comum entre as internas, que “abominam” a ideia de um dia serem presas no complexo feminino da Papuda – a Colmeia. “Aqui a gente já sofre um pouquinho com a solidão, imagine lá”.

Sem poder ser identificada, a jovem de 16 anos foi premiada em um recente festival de música, um dos muitos promovidos pela administração local. O foco das ações, como sempre, é em cultura e educação, o maior diferencial dessa unidade de reinserção social.

“Na música eu expresso o que sinto. Trato sobre a vida que estou vivendo atrás das grades. É uma forma de mudar as coisas e me expressar.”

Jovens que cumprem pena no socioeducativo participam de festival de poesia e hip hop na unidade — Foto: Arquivo Pessoal

Jovens que cumprem pena no socioeducativo participam de festival de poesia e hip hop na unidade — Foto: Arquivo Pessoal

Comunicativa, ela conta que nas ruas jamais pensou em escrever música. A composição premiada fala sobre mudança de vida. A letra foi escrita dentro da cela, motivada por exercícios de critatividade passados pelos professores do sistema.

“A vida é sofrida, mas não vou chorar/
Pense diferente quando sair/
Só quero ver minha mãe sorrir, sorrir”

Já um interno de 17 anos que está cumprindo medida há 1 ano e 10 meses fala sobre a vontade de sair e “investir no talento que tem para vencer na vida”. Ele afirma que “quer ser uma pessoa diferente lá fora”.

“Basta querer e correr atrás. Têm muitos para me dizer não lá fora, mas tem muita gente aqui para me apoiar.”

Módulo feminino , vazio, na Unidade de Internação de Santa Maria  — Foto: Marília Marques/G1

Módulo feminino , vazio, na Unidade de Internação de Santa Maria — Foto: Marília Marques/G1

À reportagem, ele contou que, antes de passar pelo sistema, não sabia que tinha talentos. “Na periferia, eu não tinha essas oportunidades, não tinha contato com a música”, diz. Emocionado, ele lembra que, a cada dia de pena cumprida, é incentivado a apreciar as artes e a mudar.

“Percebo a diferença nas minhas atitudes. Antes eu só pensava em um modo de ganhar dinheiro fácil, hoje vejo que não é bem assim.”

Educação como prioridade

Fachada da Unidade de Internação de Santa Maria, no Distrito Federal — Foto: Pedro Ventura/GDF

Módulo feminino , vazio, na Unidade de Internação de Santa Maria — Foto: Marília Marques/G1

Entre as atividades desenvolvidas na unidade, 22 professores e voluntários de organizações sociais apresentam aos internos uma possibilidade de mudança de atitude por meio da poesia, do hip hop, desenhos e estudos.

Com essa perspectiva, a direção da casa diz que diminuiu os índices de violência e, em um ano, reduziu os motins a zero. Um dos principais responsáveis por reformular os paradigmas é o diretor do centro, Antônio Santos.

Ele é agente social e trabalha no sistema há 34 anos. No ano passado, assumiu a gestão do local. Para ele, a escola é prioridade. “Venho trabalhar como se sempre fosse meu primeiro dia aqui, tentando fazer a diferença”, conta.

“A escola é um elemento transformador, é o centro da unidade. Faça chuva ou faça sol, estará sempre presente aqui.”

Diretor da Unidade de Internação de Santa Maria, Antônio Santos — Foto: Marília Marques/G1

Diretor da Unidade de Internação de Santa Maria, Antônio Santos — Foto: Marília Marques/G1

Outro fator motivador para o ensino dos jovens presos é a dedicação de grande parte dos professores, como o historiador Francisco Celso. Ele está na unidade desde 2015.

“Onde não tem educação e cultura, a violência vira espetáculo.”

Para Celso, o rap, os saraus e documentários “são excelentes ferramentas pedagógicas” aplicadas para ajudar os internos.

O rapper e educador Heitor Valente também frequenta a unidade todas as semanas. É ele quem dá dicas sobre grafite e hip hop. Valente diz que os instrumentos são um dos poucos que conseguem “narrar a realidade periférica”.

“As artes facilitam a comunicação e identificação deles. O hip hop abre um diálogo mais profundo.”

“Entramos na lacuna, na ponta onde o Estado não está. Nosso papel de educadores aqui dentro é fazê-los acreditar”, conclui o educador.

Adolescente em medida socioeducativa lê jornal em alojamento da unidade — Foto: Divulgação

Adolescente em medida socioeducativa lê jornal em alojamento da unidade — Foto: Divulgação

Diferencial

Em Santa Maria, o foco das atividades dos internos é em cultura e educação. Da direção da unidade socioeducativa aos professores que estão nas salas de aula, a prioridade é o ensino profissionalizante e a ocupação das horas dos internos.

Além de contar com o esforço de quem já trabalha lá, a unidade também escolheu “abrir as portas” para a comunidade.

Desde o ano passado, os módulos são frequentados por estudantes e profissionais que acreditam da reeducação e, por isso, prestam serviços voluntários. Segundo o diretor da unidade, aproximar a comunidade “é uma forma de promover a reinserção”.

Jovens internos conferem desenhos premiados em festival na unidade de Santa Maria — Foto: Marília Marques/G1

Jovens internos conferem desenhos premiados em festival na unidade de Santa Maria — Foto: Marília Marques/G1

Outro preocupação da unidade é com a redução no tempo de ociosidade dos internos. De acordo com o regulamento geral, os acolhidos têm por regra, uma ou duas horas de banho de sol.

O momento em que eles ficariam desocupados em um pátio, aglomerados, sob vigilância constante de agentes foi reduzido à meia hora sem atividade, mas compensado por práticas criativas.

Nesse período, os internos são convidados a cuidar do jardim da unidade, frequentar a biblioteca ou explorar o lado artístico na arena acústica do local. Os espaços são preenchidos por arte e frases motivadoras.

De forma diferente do que acontece em outras unidades, todas as paredes dos módulos são preservadas – não há rabiscos ou danos. O grafite toma conta. Em uma das paredes pintadas, a frase do educador Paulo Freire já é conhecida de cor pelos socioeducandos: “Educação muda pessoas”.

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