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Da angústia do que é danoso

Por Barbara Silvestre

Da angústia do que é danoso
Da angústia do que é danoso

Redação Publicado em 19/09/2021, às 00h00 - Atualizado em 10/10/2021, às 13h33


Por Barbara Silvestre

Da angústia do que é danoso

A fumaça em contraste à luz do sol que entrava pela fresta da janela começou a criar formas em tons de cinza, e eu me perdi nessa agradável ilusão de prazer e conforto. Esse era aquele tipo de perda consciente, doce na busca do esquecimento do real. Mas minha mente, inquietantemente insuportável num ato do mais puro egoísmo característico da necessidade abdutiva de questionar, refletir e construir hipóteses, ditatorialmente me arrancou do momento contemplativo, impossibilitando minha alma de gozar da imaginação despretensiosa. Me lembrando, mais uma vez, da efemeridade do prazer. Desgastantemente ágil no processo de construir analogias, fui forçada pela minha faculdade intelectiva a pensar. Por que construímos hábitos que sabemos ser destrutivos? Isso me fez voltar os olhos para o cigarro que estava na minha mão e, por mais que eu almejasse me perder em sua ponta delicadamente acesa e encadeada pelo fogo, só conseguia pensar no porquê. Platão, Aristóteles, Boécio, Agostinho, Tomás de Aquino, Dante, Espinosa, Schelling. Enfim, trechos de todos esses sistemas filosóficos dançavam loucamente na minha cabeça, dentro de um magnífico império teórico sobre a origem do bem e do mal e a diferenciação entre os bens materiais e os bens eternos; império este que eu não sou a imperatriz, mas apenas uma afortunada moradora. Levantei e comecei a andar de um lado para o outro, quase sentindo no meu ser a metamorfose para uma barata nos moldes kafkanianos. Obviamente, acendi mais um cigarro na ilusão de confrontar a angústia; os fumantes me entenderão. Não, não funcionou. Na verdade, escancarou na minha testa a miséria da minha condição humana, refém dos próprios hábitos viciosos que eu mesma construí por impulsionar minha alma à atração masoquista do que é atestadamente danoso. De repente a minha reflexão decidiu tomar um rumo de expansão em relação à minha mesquinhez; para além do horrendo hábito de fumar, percebi que tão nojento quanto são os hábitos maldosos: ludibriar, ser destrutivo em atitudes e pensamentos, irresponsável e egoísta para com a vida em sociedade, menosprezo em relação à dor alheia. Pequeno de alma; consciente de sua pequenez e retroalimentativo dessa miserável condição. Ainda não encontrei a resposta do porquê construímos hábitos danosos, mas, talvez, seguimos alimentando tais hábitos pela falta de amedrontamento em colher as suas consequências funestas. Como você pode observar, o medo enquanto estado de paralisia não é necessariamente negativo. Triste é que perfeitamente dotados da razão, deveríamos utilizá-la por ser mais nobre do que o medo. Aprendi com a filosofia que o processo é muito mais sobre construir perguntas do que encontrar suas respostas e, paradoxalmente calma no furacão das minhas angústias, sem muita explicação, minha mente não sentia mais a necessidade de construir respostas. Desta vez não acendi um cigarro, na busca pragmática do agir. E comecei a escrever na tentativa de tirar o que há dentro de mim, jogando para o mundo. Desenraizando o foco do meu pessoal drama existencial que é principalmente a permanente convivência com uma mente que não se permite o silencio acalentador, pergunto leitor, você ainda não parou para pensar sobre como é morar na angústia dos seus hábitos destrutivos?

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