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Com efetivo menor, polícia investiga 40 mil dados de celulares na busca por assassinos de Marielle e Anderson, 6 meses depois

A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março passado, ainda é um mistério para a Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Com efetivo menor, polícia investiga 40 mil dados de celulares na busca por assassinos de Marielle e Anderson, 6 meses depois
Com efetivo menor, polícia investiga 40 mil dados de celulares na busca por assassinos de Marielle e Anderson, 6 meses depois

Redação Publicado em 14/09/2018, às 00h00 - Atualizado às 11h56


A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em14 de março passado, ainda é um mistério para a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Passados exatos seis meses do crime, a Divisão de Homicídios teve o efetivo de policiais envolvidos nas investigações reduzido em comparação ao início dos trabalhos no caso. Nos primeiros dias teve 30 agentes, passou a dez e, há 14 dias, voltou a ter 20 investigadores, de acordo com informações obtidas pelo G1.

Alguns foram deslocados para outras atividades na própria DH ou em missões na Polícia Civil, todos a pedido da administração da própria corporação.

Seis meses após morte de Marielle, viúva chama crime de 'Barbárie de 14 de março'

Seis meses após morte de Marielle, viúva chama crime de ‘Barbárie de 14 de março’

Além da falta de efetivo, a Polícia Civil está em meio a uma análise que envolve, no mínimo, 40 mil páginas de dados de telefones celulares. Ao pedir informações em concessionárias telefônicas, a polícia recebeu uma quantidade imensa de mensagens trocadas naquela região do crime e poucas de voz. O cruzamento de informações busca saber se esses telefones aparecem em outros pontos da cidade no dia do assassinato de Marielle e de Anderson.

Um policial ouvido pelo G1 explicou que, há sete anos (em 2011), quando a DH investigou o assassinato da juíza Patrícia Acioli, o volume de ligações era bem maior do que a troca de mensagens de textos. Hoje, segundo ele, esse fluxo de informações inverteu, o que dificulta a apuração.

Nem a delação de um suposto envolvido com o crime clareou as investigações. As autoridades reclamam que o vazamento do depoimento “atrapalhou e até pode ter desaparecido com provas do assassinato”. De acordo com o depoimento, o vereador Marcelo Siciliano teria planejado a morte de Marielle que foi executada a mando do miliciano Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando da Curicica.

Desde o dia do crime até esta quinta-feira (13), o Disque-denúncia recebeu 190 denúncias sobre o caso. De acordo com os investigadores, as informações indicam linhas de investigação mas não levaram a provas para o crime.

“Certamente há alguma pista importante nas denúncias recebidas, mas faltam mais informações para apontá-la. Se um dia o crime for esclarecido, a informação vai parecer evidente”, comentou Zeca Borges, coordenador do Disque-denúncia.

Sigilo quebrado revelou outro crime

Na tentativa de confirmar essa linha de investigação, a DH pediu e obteve da Justiça a “quebra” do sigilo do telefone que Orlando usava na cadeia. A investigação levou a polícia a descobrir que os milicianos presos em uma galeria do presídio Bandeira Stampa arrumavam e dividiam o celular entre eles.

A polícia descobriu que um dos integrantes do grupo, Diogo Maia dos Santos, o DG da Boiúna, ordenou por R$ 3 mil a morte de Carlos Alexandre Pereira, em 9 de abril deste ano. Apesar de Orlando também usar o telefone, a polícia não comprovou o envolvimento dele neste crime. Logo depois da descoberta, Orlando foi transferido para o Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

O vereador contratou uma agência formada por policiais civis para investigarem o crime. O grupo apontou um novo caminho para o caso: o envolvimento de um político influente na Zona Oeste do RJ, ex-deputado estadual, que teria contratado o que vem sendo chamado de “escritório do crime” e seria responsável por uma série de mortes no RJ.

As provas foram levadas pela defesa do vereador para o inquérito e ganharam força entre promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro junto com a promotora Letícia Emily, que assumiu o caso no início deste mês de setembro.

Apesar das duas linhas de investigação, do miliciano e do escritório do crime, a polícia ainda não obteve provas conclusivas sobre nenhuma delas.

Em nota, o Gabinete de Intervenção Federal e a Polícia Civil afirmaram que “as investigações prosseguem sob sigilo a fim de que possam ser obtidas as provas necessárias à elucidação do crime”.

Orlando Curicica e Marcelo Siciliano negam as acusações.

‘Barbárie’ de 14 de março

Mônica Benício usa camisa com a inscrição "Eu estou com ela" para relembrar o assassinato de Marielle — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Mônica Benício usa camisa com a inscrição “Eu estou com ela” para relembrar o assassinato de Marielle — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Seis meses depois do duplo homicídio, naquela noite de quarta-feira no Estácio, Mônica Benício, companheira da vereadora por 14 anos, mostra um desenho na pele. É uma tatuagem em homenagem a Marielle Francisco da Silva, feita no dia do aniversário da vereadora: 27 de julho. Em 2018, ela completaria 39 anos.

“Marielle levava aniversário muito a sério. Então foi uma forma de homenagear e também de, às vezes, me sentir num processo meio solitário, me lembrar que eu não estou sozinha”, diz Mônica, resumindo o sentimento que passa por sua mente e corpo todo dia pela manhã e à noite, além de quando olha de novo para o desenho em seu antebraço: “Saudade”.

Para Agatha Reis, mãe de Arthur, de 2 anos, a ausência de Anderson Pedro Gomes se refletiu na própria casa em Inhaúma, na Zona Norte do Rio. Ela voltou há apenas duas semanas para o apartamento onde morava com o motorista do carro de Marielle na noite do crime.

“Tem horas que parece que não aconteceu nada e que parece que ele vai chegar em casa. Eu não tenho mais o companheiro que eu tinha. É muito complicado você ter que mudar sua vida toda de uma hora para outra”, lamenta.

Urbanista e ativista política, Mônica diz que seus projetos pessoais foram paralisados com um único objetivo: chamar atenção para que o caso de Marielle e Anderson não caia no esquecimento. Apesar de afirmar que o delegado responsável pela investigação, Giniton Lages, é “muito sério”, Mônica diz que é angustiante chegar a seis meses sem respostas sobre o crime.

“A gente está há seis meses de um crime bárbaro que foi um atentado à democracia, sem nenhum resultado. Eu hoje faço muitas viagens internacionais e tenho que responder com muita vergonha de que não sei nada a respeito das investigações, e de que não vejo avanços nas investigações”, afirmou ela, durante entrevista realizada na Câmara de Vereadores na quarta-feira (12).

Agatha concorda. “ Essa data (seis meses ) é um marco também da falta de resposta. Se já tivessem descoberto alguma coisa bem relevante, quem mandou matar, e o motivo, acho que as coisas estariam um pouco mais amenas”, avalia.

Mônica tratou duas vezes o crime como “a barbárie de 14 de março”. Uma delas foi ao falar sobre o legado que Marielle Franco deixa para a política do Rio, com mulheres negras se colocando na disputa por vagas em diversos cargos. O temor de que menos mulheres com o perfil de Marielle tentassem entrada na política após o crime não se confirmou, diz ela.

“Para mim, esse é o legado de Marielle, ele é construído por todas as mulheres que se levantam de manhã e lutam contra o machismo, lutam contra a sociedade patriarcal, contra a LGBTfobia, contra o racismo. Esse é o legado de Marielle, essa força que ela continuou deixando e que mesmo após a barbárie do 14 de março, continua nos movendo para continuar levando essa luta. ”, afirmou ela.

Agatha em foto com Anderson: 'É muito complicado você ter que mudar sua vida toda de uma hora para outra”, lamenta.  — Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Agatha em foto com Anderson: ‘É muito complicado você ter que mudar sua vida toda de uma hora para outra”, lamenta. — Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Para a viúva de Anderson, a noite da morte guarda um arrependimento. Com exames do filho que foi diagnosticado com uma má formação congênita da parede abdominal e após um dia péssimo no trabalho, ela pensou em pedir para que o marido voltasse para casa antes do fim do evento na casa das Pretas, na Lapa, de onde Marielle e Anderson saíram naquela noite.

“Eu queria muito que o Anderson viesse pra casa. Mas eu não cheguei a pedir a ele. Me arrependo de não ter pedido, embora eu tenha certeza de que ele não faria isso, porque ele levava o trabalho muito a sério. Mas sei lá, vai que ele me atendia nesse dia?”, imagina ela.

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