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CBLOL 2021: a importância de termos Cariok e fNb na final

A final do 1º split do CBLOL 2021entre paiN Gaming e Vorax será ainda mais especial para a comunidade preta de League of Legends. Isso porque teremos dois

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Redação Publicado em 16/04/2021, às 00h00 - Atualizado em 17/04/2021, às 13h41


Quantos negros você lembra de já terem jogado outras decisões do campeonato? Trata-se de uma conversa sobre negritude, racismo e inclusão nos eSports

A final do 1º split do CBLOL 2021entre paiN Gaming e Vorax será ainda mais especial para a comunidade preta de League of Legends. Isso porque teremos dois negros na disputa: Marcos “Cariok” pelo lado da paiN e Francisco “fnb” pelo lado da Vorax. Trata-se de um feito histórico e muito emblemático porque, bem… Quantos pretos você lembra de já terem pisado no palco de uma decisão do maior campeonato de eSports do país? Não vale falar do Emicida… Olhar pra Cariok e fNb na grande decisão deste domingo é também se atentar para como a realidade do país dificulta o acesso de negros aos esportes eletrônicos. Pretos precisam superar toda uma estrutura desigual e racista para se firmarem como os melhores em suas posições – e ainda que sem a mesma unanimidade como atletas brancos.

Trata-se de uma conversa sobre negritude, racismo e inclusão nos eSports. E tanto Cariok como fNb sabem disso.

– É muito importante eu e o fNb estarmos aqui hoje mostrando que é possível.

– Se a gente se dedicar, a gente consegue estar aqui. Fico muito feliz de ter essa representatividade. De poder mostrar que a gente consegue e poder encorajar outras pessoas negras a se esforçar e estar aqui. É um bagulho muito legal – comentou o caçador ao ge.

Cariok: caçador da paiN Gaming - Bruno Alvares/Riot Games

Cariok: caçador da paiN Gaming – Bruno Alvares/Riot Games

O mesmo sentimento e a mesma consciência foram compartilhados por fNb à reportagem também.

– Estou bem feliz de poder representar toda a comunidade preta e, quando eu paro pra pensar lá atrás quando decidi ser pro player, é algo que eu tinha em mim e sempre acreditava que poderia chegar até aqui. Por isso me mantive de cabeça erguida, por mais que as situações fossem muito adversas.

– Eu espero que a minha história sirva de motivação para todos os jovens pretos que estão indo jogar profissionalmente. Acredite, persista e sempre de cabeça erguida.

ge foi atrás de figuras icônicas do cenário de League of Legends assim como especialistas para aprofundar ainda mais todas as falas de Cariok e fNb, e, assim, destrinchar a importância de termos esses dois na final do 1º split do CBLOL.

“MAS NÃO IMPORTA A COR!”

Quando existe o recorte racial para essa grande decisão de CBLOL nas imagens de Cariok e fNb, muitas reclamações e comentários preconceituosos inundam as redes sociais. É como se estivesse tudo bem que, em meio a 10 finalistas do torneio, apenas dois sejam negros – em um país que tem a maior parte da população negra; mais precisamente 56,10%, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É levado em conta que negros compõem a somatória de pardos e pretos. Em números absolutos, em 2019 havia no país 98,1 milhões de pessoas pardas e 19,8 milhões de pessoas pretas – para 89,4 milhões de pessoas brancas.

A bolha gamer é sintomática dessa mesma sociedade brasileira uma vez que a maioria de gamers no país também é negra, como apontou a Pesquisa Game Brasil (PBG) 2021: 50,3% são negros, sendo que pardos e pretos representam 36,7% e 13,6%, respectivamente, nessa soma. Além disso, o estudo mostra a ascensão das pessoas de classe média e, principalmente, da base da pirâmide social (C1, C2, D e E) no consumo de jogos, representando 49,7% do jogadores na soma. E boa parte tendo o celular como o meio favorito para se jogar – por isso também Free Fire sofre com tanto preconceito por parte do cenário geral de eSports, como bem evidenciou a ida da LOUD para o CBLOL.

fNb compreende a realidade da maioria jovem preta no Brasl - Viviane "Vivs"/Vorax

fNb compreende a realidade da maioria jovem preta no Brasl – Viviane “Vivs”/Vorax

Ter apenas Cariok e fNb na final do 1º split do CBLOL 2021 reforça os impactos de racismo estrutural e desigualdade social no ecossistema dos esportes eletrônicos. Por isso mesmo, o senso comum de “mas não importa a cor, apenas a habilidade” parte de uma premissa falsa e racista, como explicou o escritor Ale Santos, uma das principais vozes do afrofuturismo no Brasil.

– Ninguém está questionando a intelectualidade, o talento e a predisposição de uma pessoa negra a conquistar um campeonato ou qualquer vaga que seja. Não é isso que está em questão.

Ale apontou que esse debate não existiria caso todos realmente tivessem condições iguais de disputa, mas não é o que acontece: corpos negros são mais afetados, marginalizados e excluídos. Por exemplo: 40 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, segundo o IBGE. Desse grupo, grande parte é de pessoas negras – logo, como conseguiriam ter uma rotina de treinos para competir nos eSports?

– A grande questão é que, quando falamos de se ter as mesmas condições iguais, a gente está falando de não ter os empecilhos sociais no caminho. Esses empecilhos sociais, às vezes, se materializam pelo fato de que muitos jovens negros precisam trabalhar enquanto outros jovens estão estudando ou estão recebendo investimento – inclusive dos pais – pra se dedicar aos eSports ou a, sei lá, ser um youtuber.

– É uma questão de desigualdade econômica, social e geográfica, a qual todos esses recortes de renda e desemprego no Brasil seja provável que boa parte dos afetados são pessoas negras. A gente está falando de vários dados demográficos que recaem de uma maneira mais pesada sobre pessoas identificadas como negras. É muito fácil falar que não importa a cor quando você está dentro de um bairro privilegiado e não precisa ajudar seus pais a pagar uma conta.

Ale Santos é autor de "Rastros de Resistência"; com a obra, ele foi finalista do Prêmio Jabuti 2020 - Divulgação

Ale Santos é autor de “Rastros de Resistência”; com a obra, ele foi finalista do Prêmio Jabuti 2020 – Divulgação

– Quando um jogador negro consegue um destaque, ele abre uma oportunidade fabulosa de apontar pra sociedade que o caminho que ele trilhou pra se tornar uma pessoa de destaque tinha várias pedras que não deveriam estar lá, mas que foram colocadas por conta dessa inércia social que mercados como o gamer ainda insistem em não resolver. Essas pedras estão lá, e prejudicando o acesso de novos jogadores negros a esse espaço de destaque.

PRETOS NO TOPO

A reação da comunidade preta com a ida de Cariok e fNb para a final evidencia como faltam negros em posição de destaque no LoL – e nos eSports em geral. Por isso todas as comemorações em um hype ainda maior. Se ja é difícil de presenciarmos pretos na disputa do CBLOL por todos os problemas já citados de uma estrutura racista e desigual, imagina então ter pretos em uma decisão. Mesmo que só um deles seja campeão e conquistará vaga para o MSI, já se trata de um título para os fãs que também sofrem na pele o mesmo racismo que seus ídolos. Pretos no topo é sobre pertencimento. Por isso também que a cor importa sim, afinal, aponta para representatividade.

A streamer Sher “Transcurecer”, que também é Secretária Geral do CapaciTrans e foi idealizadora da Copa Rebecca Heineman, o primeiro campeonato de League of Legends para pessoas trans, comentou a respeito.

– Por muito tempo ao longo da minha vida, as minhas referências foram pessoas brancas. De certa forma, isso me prejudicou sobre o entendimento de mim mesma, sabe? Sobre como eu acabava vivendo minha vida e sobre aonde eu enxergava que poderia estar.

Sher "Transcurecer" se tornou uma das principais mulheres trans dos esports - Divulgação

Sher “Transcurecer” se tornou uma das principais mulheres trans dos esports – Divulgação

– Ter pessoas pretas no CBLOL e ver que tem outras pessoas como você jogando te dá uma sensação de que você também pode ocupar aquele espaço. Te dá a sensação de que um dia pode ser você. Para as pessoas brancas, isso já é normal. Isso acontece desde que elas se entendem como gente. Elas sempre tiveram pessoas brancas em posições de destaque.

Esse sentimento de pertencimento que Cariok e fNb trazem se deu com outros entrevistados pela reportagem, casos dos casters Ken “Harusame” e Layze “Lahgolas”.

– Ver uma final como essa representa demais. Sempre que vejo algo assim, eu penso na criança preta que tá assistindo isso e que sonha em ser pro player ou na adolescente que vê a live da sua streamer favorita e quer ser que nem ela porque finalmente pode se ver em alguma streamer – disse Ken.

– Me enche o coração de alegria vê-los como os melhores atualmente e como estão conseguindo representar tão bem tantos jovens pretos a seguirem seus passos. Acredito que é uma mudança muito bem vinda no nosso cenário ainda tão homogêneo e torço pra que daqui há algum tempo tenhamos outros fNb’s e Cariok’s inspirando cada vez mais pessoas a seguirem os seus sonhos nesse meio – reforçou Lahgolas.

Ken e Lahgolas são casters pretos que fazem questão de firmar sua própria negritude nas transmissões de LoL - Acervo pessoal

Ken e Lahgolas são casters pretos que fazem questão de firmar sua própria negritude nas transmissões de LoL – Acervo pessoal

Como bem amarrou Marcelo Carvalho, que é fundador e diretor do Observatório do Racismo no Futebol, é muito importante que figuras pretas em destaque – ainda mais em meios majoritariamente brancos – se posicionem e sejam “espelho” para seus fãs.

– O posicionamento de dois atletas premiados como Cariok e fNb vai fazer com que crianças olhem para eles de outra forma. Que crianças olhem e se dêem conta que também podem estar lá. “Eu posso estar lá.” É um espelho. Se ele está lá, eu também posso. E quando eles falam que são negros, falam da representatividade e se posicionam, eles estão ensinando esses moleques também a fazer isso.

– É fundamental pessoas de grande representatividade se posicionarem. Seja em questão de raça, de política ou questão social.

Ale Santos reforçou como se dá esse efeito de “espelho”, mas que também não signifca uma transição de responsabilidade para esses pretos em evidência – como se Cariok e fNb fossem acabar com todo o racismo no LoL só por estarem no topo.

– Não é sobre uma pessoa negra lutar contra todo um sistema, mas ela ser um espelho para que outras pessoas se tornem espelhos também. Quando ele tem essa consciência do que ele significa e do que ele está impactando, e não que ele vá modificar toda a estrutura racista, aí sim você pode ter uma questão de representatividade importante.

Não é como se Cariok tivesse todo o peso nos ombros de acabar com o racismo, mas ele tem a força de transformar o imaginário social - Bruno Alvares/Riot Games

Não é como se Cariok tivesse todo o peso nos ombros de acabar com o racismo, mas ele tem a força de transformar o imaginário social – Bruno Alvares/Riot Games

Para o escritor, tudo se passa pela conscientização de sua própria negritude e do poder transformador que esse preto detém ao chegar no topo.

– Se a pessoa tiver essa consciência, o preto no topo dele vai se tornar uma figura poderosa que aí sim vai poder impactar no imaginário social e vai poder causar uma transformação não na estrutura, mas uma transformação na destruição dos estereótipos racistas que a gente pode ver sendo reproduzido por aí. A gente tem que lembrar que ainda existe o imaginário de quem duvida do negro e que não acredita que o negro é capaz.

– Um preto no topo e consciente é a antítese do pensamento racista; ele é o negro capaz, consciente e muito bom no que está fazendo.

A FIGURA DO PRETO VENCEDOR

A forma como o negro é atravessado pelo racismo nos esportes em geral se dá de diversas formas. A negação de seus feitos é uma delas, principalmente em meios elitizados. Pretos como Cariok e fNb, e tantos outros nos eSports, passam pelo mesmo processo violento de desmerecimento; por mais que eles tiveram que superar toda uma estrutura desigual e racista, além de lidar com os obstáculos daquela respectiva modalidade, a branquitude encontrará motivos para invisibilizar esses corpos negros.

É o efeito Lewis Hamilton, que já se provou o melhor piloto da história da Fórmula 1 com feitos dentro e fora das pistas, mas que, ainda assim, tem seus números e títulos sempre questionados. Sempre terá um “porém” para tirar o mérito do preto vencedor.

Lewis Hamilton ainda tem seus feitos questionados na F1 - Francois Lenoir/Pool/Getty Images

Lewis Hamilton ainda tem seus feitos questionados na F1 – Francois Lenoir/Pool/Getty Images

Cariok e fNb, mesmo tendo sido eleito os melhores em suas posições no Prêmio CBLOL 2020, passam por esse mesmo processo em determinada escala. Ken “Harusame” até ironizou como se dá o descrédito com os dois em alguns momentos.

– O fNb pode ser considerado um dos melhores top laners do Brasil, “porém”, só porque muita gente considera que o time joga pro lado dele, aí você vai olhar os números e nota que o Matsukaze pega mais recursos que ele. O Cariok é muito bom, “porém” é fácil ser bom mesmo quando se joga com grandes jogadores como BrTT, TinOwns e Robô no time, aí ignoram o fato que ele sempre esteve nas primeiras colocações na SoloQ, que já foi fazer bootcamps fora do Brasil para melhorar e se tornar o que é hoje.

– Eles podem ser considerados um dos melhores, mas nunca somente por si próprios [por conta do racismo].

Cariok foi eleito o melhor caçador do CBLOL 2020 - Bruno Alvares/Riot Games
Cariok foi eleito o melhor caçador do CBLOL 2020 – Bruno Alvares/Riot Games

É o mesmo sentimento que Pedro “Sand”, técnico da E-Flix eSports, teve em conversa com a reportagem. Na visão do treinador, que trabalhou de perto com fNb durante anos e esteve também envolvido na formação do Top Laner, “só quem ganhar o titulo vai conseguir um certo destaque”. E, mesmo assim, ainda poderá ter o feito conquistado – como tiveram por conta do Prêmio CBLOL do ano passado.

– Ambos foram premiados como melhores em suas posições no último split e ainda sim geraram dúvidas. Muitas vezes foram desacreditados até por estrangeiros.

– Então sem um título de fato, não vejo eles com esse reconhecimento [por conta do racismo].

– Acredito que no caso do FNB, ele já é o melhor de sua posição no Brasil há muito tempo, mas sem a conquista do CBLOL ou sem um bom desempenho lá fora, basta um jogo ruim para voltar a aparecer as “análises” pretensiosas que sempre aparecem.

fNb foi eleito o melhor topo do CBLOL 2020 - Bruno Alvares/Riot Games
fNb foi eleito o melhor topo do CBLOL 2020 – Bruno Alvares/Riot Games

Até voltando ao efeito Lews Hamilton, que é se atentar para como corpos negros são tratados em meios elitizados, Marcelo Carvalho ressaltou como tudo isso é fruto do racismo.

– A branquitude não nos quer nesses espaços. Ela determinou que o espaço onde o negro pode estar é no futebol. E também não é porque ela quer, mas sim porque negros dão títulos e fazem times mais competitivos. Saindo do futebol, são espaços marcados, né. Ou seja, que não tem a presença negra.

– Negros são tolerados, seja no futebol ou fora. E na primeira falha ou na não expectativa cumprida, o negro volta para a questão da desumanização. Aí vem o xingamento e o insulto exatamente porque somos tolerados e não aceitos nesses espaços.

Marcelo Carvalho é uma das maiores vozes de combate ao racismo no Futebol e outros esportes - Divulgação
Marcelo Carvalho é uma das maiores vozes de combate ao racismo no Futebol e outros esportes – Divulgação

E Marcelo ainda reforçou como racismo não é apenas sobre xingamentos. Situações como desmerecimento contínuo de atletas negros entram nessa lógica.

– Racismo não é só insulto ou xingamento. O racismo está principalmente na questão da estrutura. Quando a gente fala de racismo, vamos sempre falar de situações de violência – que, por sua vez, são os casos de suspeita de racismo. Nós precisamos falar da não presença de negros [em meios elitizados], por exemplo, e também quebrar a velha história da meritocracia. Negros não estão nesses espaços não por questão de meritocracia.

Vinícius “TheVinizera”, fundador da Kanin Gaming, uma organização majoritariamente formada por jogadores negros, seguiu o mesmo pensamento ao criticar a não aceitação da branquitude com a figura do preto vencedor.

– É difícil para eles porque o racismo impede essa aceitação. Aí tentam desestabilizar a gente de diversas formas, com o objetivo de fazer a gente não chegar ao topo. Aconteceu isso com Tiger Woods, com Pelé, com Anderson Silva, e acontece diversas vezes e em diversas áreas, mas até nos esportes mais elitizados estamos conquistando nosso espaço. Creio que isso faça eles se morderem,

Em sua inquietação por querer ver mais pretos no cenário, TheVinizera fundou a Kanin Esports - Acervo Pessoal
Em sua inquietação por querer ver mais pretos no cenário, TheVinizera fundou a Kanin Esports – Acervo Pessoal

TheVinizera parafraseou o rapper MC Orochi ao usar um trecho da música “Vermelho Ferrari” para concluir sua fala.

– “Vai se acostumando a ver um preto na sua frente” porque, sinceramente, motivos não faltam. E situações que devemos ser duas vezes melhor para poder ganhar reconhecimento também não faltam.

Sand chamou a atenção para outra forma de racismo que pretos são submetidos: a necessidade de se desdobrar duas vezes mais para conseguir ter o mínimo de sucesso em um meio tão elitizado como os eSports.

– Nosso caminho dentro do competitivo é duro. Não podemos nos contentar em ser bons [por causa do racismo] temos que ser os melhores. Só observar o exemplo tanto de Cariok como fNb para chegarem a ser “personagens” dentro do competitivo. Tiveram que chegar a esse nível. No ano passado, por não ter chegado à final, tiveram vários comentários questionando se o fNb era isso tudo mesmo. E acredito que o Cariok só teve destaque por que chegou à final. E se isso já não fosse suficiente, eles enfrentam ofensas diretas e indiretas diariamente enquanto jogam ranqueadas ou em chat de transmissões e vídeos já que o racismo é quase que um tabu dentro do LoL e não é quase comentando. O jogo é extremamente tóxico para quem é preto.

Como técnico preto, Sand outras faces do racismo nos eSports - Divulgação/BBL
Como técnico preto, Sand outras faces do racismo nos eSports – Divulgação/BBL

Até mesmo por isso, Ken reforçou sobre como é importante apoio e união dentro da comunidade preta nos esportes eletrônicos.

– Todos nós estamos nisso. Todo negro que consegue destaque sofre isso o tempo inteiro. Você tem que fazer o seu trabalho e ultrapassar o racismo todo dia. Por isso é tão importante essa união, todos se apoiarem. Todos vencem quando um vence. Infelizmente tem muito racismo no Brasil, em tudo. Mas, aos poucos, vamos conquistando nosso espaço.

– No fim, é o que importa. É nós por nós.

TÁ, MAS QUANTOS NEGROS JOGARAM UMA FINAL DE CBLOL?

Você ainda não conseguiu responder à pergunta sobre quanto negros já pisaram em um palco de CBLOL? Atenção: o importante aqui é entender porque o número é tão baixo, com base em todos os dados e os relatos já trazidos nos parágrafos acima desta matéria especial. Trata-se também de um ponto muito delicado que é sobre não apagar e invisibilizar ainda mais uma negritude que vem sendo sufocada há anos no cenário de eSports no geral.

Ou seja… Como procurar um número mágico sobre quantos negros disputaram uma decisão de CBLOL se não é uma questão que se faz presente no cenário? Cariok e fNb, por sua vez, compreendem sua própria negritude e não se deixam serem silenciados. É sobre a conscientização já trazida por Ale Santos na reportagem. Os jogadores de paiN e Vorax acabam por demarcar território com ações e palavras.

Uma discussão que o cenário de eSports – do LoL ao Free Fire – precisará ainda passar, porém, é sobre identificação. Quantas pessoas que responderam à PGB 2021 se autodeclarando pardas manteriam a decisão caso soubessem que, para o IBGE, elas então estariam sendo consideradas como pessoas negras, por exemplo?

– A maioria das pessoas não têm oportunidade de serem apresentadas à forma que o IBGE trabalha, e realmente ficariam assustadas ao saberem que pessoas pretas e pardas são englobadas na população negra no Brasil. O que faz total sentido quando falamos de Colorismo e todas as miscigenações que ocorreram em nosso território – argumentou Vicky Wolf, produtora de conteúdo preto e ativista antirracista que faz trabalhos dentro da comunidade gamer por meio da Wakanda Streamers, coletivo negro para criadores de conteúdo.

– Porém, eu entendo as pessoas fugirem desses termos porque a gente acabou construindo estereótipos muito pesados em cima da palavra “negro”. Vindo desde a escravidão até hoje em dia, que é a população que é periférica e que passa fome, que tem uma posição mais pobre, todas têm essa mesma cor. Então as pessoas tentam se distanciar desses aspectos.

– Eu mesma, sendo filha de um relacionamento interracial e sendo uma preta não-retinta, por muito tempo me considerei como uma pessoa branca. Isso foi até meus 10 anos de idade, até eu sofrer o meu primeiro caso de racismo na escola – que era de pessoas brancas praticamente. Foi ali que eu comecei a questionar: como eu, que não era retina, que não tinha uma pele tão escura quanto o meu pai, poderia sofrer racismo? Foi quando percebi que meus traços eram mais parecidos com a parte negra da minha família.

Vicky passou por algo que certamente muitos jogadores de eSports lidam, mesmo que sem saber: a não compreensão da própria negritude - Acervo pessoal
Vicky passou por algo que certamente muitos jogadores de eSports lidam, mesmo que sem saber: a não compreensão da própria negritude – Acervo pessoal

Até mesmo por isso, é irresponsável procurar determinar um número preciso de quantos negros já estiveram em uma final de CBLOL só para satisfazer uma dúvida que chamou a atenção da branquitude e ainda causou incômodo. Muitas vezes, inclusive, a inquietação para exatamente na resposta – e não se estende para a real questão. Não é só acionar a assessoria do jogador ou chamá-lo na DM para perguntar se ele se considera uma pessoa negra.

– A gente quer respostas de sim ou não. A gente quer coisa em um tweet só, em poucos caracteres. São questões muito mais profundas e que trazem à tona todos os traumas que podem ter sido colocados na vida de alguém. E são delicadas, sabe? Não são apenas fatos que podem ser jogados ali.

– Pra um jogador que já está no meio que ele é exceção, é mais difícil ainda se identificar como negro. Pra transbordá-lo com essas questões, ele precisa se sentir confiável. Ele teria que se sentir acolhido naquele espaço pra falar. E quando você não se encontra nem se enxerga naquele espaço, fica muito mais complicado.

Reconhecer e aceitar nossa própria negritude é um processo diário - Acervo pessoal
Reconhecer e aceitar nossa própria negritude é um processo diário – Acervo pessoal

– A gente sabe que, pra ele, o caminho será muito mais diferente. Será mais difícil. E apesar dele não ter uma pele retinta, de não ter os traços tão fortes quanto uma pessoa negra retinta, ele traz com ele essa história, esses traumas. Traumas que devem ser entendidos e tratados. Se ele ainda não se encontrou naquele espaço, tem um porquê. A gente sabe que o preconceito está em todos esses lugares.

Cariok e fNb, a partir de suas próprias jornadas, hoje passaram a se atentar para essas questões e se posicionam de tal forma a serem espelhos. Para muitos outros, que têm suas próprias negritudes sufocadas por conta de um meio tão elitista e branco como os eSports, talvez nunca tenha sido um questionamento que se apresentou em sua vida. Talvez até agora.

Cariok e fNb: dois pretos muito necessários para o LoL - e os eSports - do Brasil - ge
Cariok e fNb: dois pretos muito necessários para o LoL – e os eSports – do Brasil – ge

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Fonte: GE – Globo Esporte.

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