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CANDIDATURAS COLETIVAS

Um tema muito discutido nas últimas eleições é o denominado candidatura/mandato coletivo, em que pessoas se unem em torno de uma candidatura e,

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Redação Publicado em 02/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h52


Um debate necessário

Um tema muito discutido nas últimas eleições é o denominado candidatura/mandato coletivo, em que pessoas se unem em torno de uma candidatura e, posteriormente, em torno de um mandato, seja para o legislativo, como para o executivo, razão pela qual temos ouvido a expressão co-deputado(a), co-vereador(a) e, até mesmo, co-prefeito(a), atos que deixam no ar o questionamento acerca da legitimidade/legalidade de tal instituto, seja perante à Justiça Eleitoral, no que tange ao registro das candidaturas coletivas, seja para o exercício do mandato coletivo.

Por certo que se trata de evidente estratégia político-eleitoral, muito bem articulada e inteligente, que facilita em muito a viabilidade de uma candidatura, uma vez que, na prática, há a união de esforços em torno de um(a) único(a) candidato(a), onde os ditos co-candidatos(as) são, na verdade, cabos eleitorais/apoiadores/correligionários considerados especiais, que não recebem para trabalhar em prol da candidatura tão somente, mas cuja promessa é a de ter participação efetiva no mandato, ou seja, ser o co-titular do mesmo.

O problema de tal prática é que tanto o registro da candidatura, quanto o exercício do mandato é ato personalíssimo, não havendo qualquer previsão legal que ampare a denominada candidatura coletiva, nem mesmo o exercício coletivo do mandato eletivo, sendo algo totalmente informal, que pode, em alguns casos, desbordar para a ilegalidade, o que exige muita cautela dos envolvidos.

O problema aqui não está na nomenclatura do instituto, sendo este o mais relevante dos detalhes, mas, sim, nos atos praticados durante a campanha eleitoral, bem como, e mais grave, naqueles praticados durante o exercício do mandato, por aqueles que não foram eleitos para tal, uma vez que se trata de direito personalíssimo, podendo tornar essa espécie inteligente de prática de marketing eleitoreira, em verdadeiro caso de desvio da legislação eleitoral em desequilíbrio do próprio pleito.

No âmbito eleitoral, especificamente no que tange à campanha eleitoral, seja pela forma em que se apresenta a candidatura, seja, muitas vezes, pela nomenclatura utilizada, podemos vislumbrar possível prática de ilícitos eleitorais, em especial quando analisamos a previsão constante dos artigos 3º, 42 e seguintes, 95, 242 e 323, do Código Eleitoral, bem como do artigo 12, da Lei nº 9.504/97.

O artigo 3º e 42 ss. do Código Eleitoral trata especificamente dos casos de alistamento eleitoral e registro de candidatura, quando afirma, o primeiro, que “o alistamento eleitoral deve respeitar as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade”, enquanto que o segundo trata dos requisitos para inscrição eleitoral, sendo essa de caráter formal e personalíssimo.

Por sua vez, o artigo 95 do Código Eleitoral, que deve ser cumulado com o artigo 12, da Lei n. 9504/97, incide diretamente nas questões relacionadas ao uso de nomenclaturas como, por exemplo, “fulano do mandato coletivo”, “coletivo x”, trazendo expressamente a observação de que o registro do candidato pode ser feito sem o prenome, ou com nome abreviado, desde que não traga dúvidas quanto à sua identidade.

No mesmo sentido, o citado artigo 12 e seguintes, da Lei das Eleições, traz expressamente a obrigação de o nome apresentado no registro de candidatura deve conter o nome completo, podendo ser utilizada variações nominais até o máximo de três opções, estas que poderão ser o prenome, o sobrenome, o cognome, o nome abreviado, apelido ou o nome pelo qual é mais conhecido, não pode estabelecer dúvidas quanto à sua identidade. O inciso III do mesmo dispositivo traz a previsão da possibilidade do candidato ser registrado pela forma que é identificado pela sua vida política, social ou profissional.

Veja que, em qualquer dos casos, não há justificativa plausível para que seja deferido o registro de candidatura com termos como “fulano do mandato coletivo” ou “coletivo, etc.”, tendo em vista se tratar de uma característica que está extrapola os limites subjetivos do candidato, o que conduz a uma responsabilidade da Justiça Eleitoral nessas aprovações, tendo em vista que o § 2º, do citado artigo 12, da Lei n. 9.504/97, exige expressamente que esta exija do candidato prova de que é conhecido por determinada opção de nome por ele indicado, quando seu uso puder confundir o eleitor.

Não bastasse, a utilização de propaganda eleitoral e de nomenclaturas que se apresentem para a população como uma candidatura coletiva, em que um determinado cidadão, sem registro deferido, apresenta-se como candidato, por certo que pode ser considerado por ofensivo ao artigo 242, além do crime constante do artigo 323, ambos do Código Eleitoral, tendo em vista que o primeiro proíbe que a propaganda eleitoral, de qualquer modalidade, utilize-se de meios destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais, enquanto que o último traz a criminalização da divulgação, na propaganda, de fatos que sabe inverídicos, capazes de exercerem influência perante o eleitorado.

Ainda no âmbito eleitoral, verifica de grande dificuldade de compatibilização a campanha realizada por quem não apresentou o registro de candidatura e, por consequência, não passou pelo crivo da análise de compatibilidades e das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade, podendo fazer com que, em evidente abuso de direito e desvio do processo eleitoral, determinado cidadão, que esteja inelegível, utilize-se de um candidato que esteja no pleno gozo dos direitos políticos e plenamente capacidade a ser votado, seja uma espécie de “laranja” de um mandato em desacordo com os ditames de moralidade e lisura das eleições.

Por sua vez, já no âmbito do mandato eletivo, daqueles que foram eleitos dentro de uma candidatura coletiva, nos moldes aqui destacados, é de total ilegalidade a prática de qualquer ato por qualquer dos ditos co-mandatários, que não o efetivamente eleito, podendo, a prática de qualquer ato público, em nome de uma suposta co-titularidade, representar, em síntese, ofensa ao artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa, além de possível crime contra a Administração Pública.

Desse modo, cumpre destacar que, embora se trate de estratégia bastante inteligente e eficaz, que se tornou prática costumeira nas últimas eleições, com aparente aceitação pela Justiça Eleitoral, em especial quando analisamos o deferimento de nomes que vinculam a candidatura coletiva, não há qualquer previsão na legislação brasileira que ampare a possibilidade da apresentação de uma candidatura dessa espécie, que não individual e personalíssima, seja no que tange ao registro dos candidatos, seja no que tange ao exercício da propaganda eleitoral, bem como não há qualquer respaldo para o exercício do mandato pelos ditos co-mandatários, o que exige ainda maior cautela, uma vez que tais atos podem caracterizar, além de ilícitos cíveis eleitorais, crimes eleitorais, e, ainda, eventual prática de improbidade administrativa e crime contra à Administração Pública.

Amilton Augusto
Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].

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