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Brazil precisa voltar a ser Brasil

Confesso que deu uma inveja boa ver a Argentina passar com autoridade pelo Uruguai. Bom jogo, com o dobro de finalizações em relação às faltas, nenhum cartão

Brazil precisa voltar a ser Brasil
Brazil precisa voltar a ser Brasil

Redação Publicado em 11/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h08


Resgate da identidade própria do futebol nacional não precisa ignorar os conceitos modernos do jogo

Confesso que deu uma inveja boa ver a Argentina passar com autoridade pelo Uruguai. Bom jogo, com o dobro de finalizações em relação às faltas, nenhum cartão amarelo, charrúas pressionando no início e sendo engolidos no final.

Mais do que isso: a inveja veio por causa do resgate da alma do futebol argentino. Triangulações, adversário na roda, “toco y me voy”, dribles. Nada a ver com nostalgia retrô ou jogo de veteranos evocando lembranças do passado. O bom jogo argentino está calcado em conceitos modernos, mas bebe na fonte de uma escola fantástica.

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Não vejo isso na seleção brasileira atual, infelizmente.

Não vejo no futebol brasileiro atual, de forma geral.

O que se vê é um Brazil e não mais o Brasil.

Fred lamenta chance desperdiçada para o Brasil contra a Colômbia — Foto: Ricardo Maldonado/EFE

Fred lamenta chance desperdiçada para o Brasil contra a Colômbia — Foto: Ricardo Maldonado/EFE

Na busca por adequação aos conceitos modernos do futebol praticado pelos grandes times e seleções da Europa, o Brasil está perdendo sua identidade, suas raízes. Seria como se de uma hora para outra começássemos a falar inglês nas ruas. Se bem que até nisso andamos forçando a barra, com a profusão de “sales” e ‘feedbacks” em nosso dia a dia. Outro papo.

O futebol brasileiro sempre foi diferente. Pela criatividade e inventividade de seus atletas e, também, de seus grandes treinadores. Cada um em seu tempo. Flávio Costa, Feola, os irmãos Moreira, Tim, Brandão, Ênio Andrade, Minelli, Zagallo, Telê, Luxemburgo, Felipão. Peço perdão àqueles de que tenha me esquecido. Também houve muitas contribuições de estrangeiros em momentos-chave da história do jogo no Brasil. Bela Gutman, Fleitas Solich, mais recentemente Jorge Jesus.

A bola que se joga no Brasil e a bola jogada pelo Brasil parecem estar estacionadas em um limbo de jogos lentos, repetitivos, medrosos. Jogadores estão prisioneiros de sistemas de jogo que atendem às ideias de comissões técnicas sem explorar o real potencial dos atletas. O calendário irracional prejudica boas ideias e tritura trabalhos de potencial.

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Há várias formas de estudar este momento.

Uma delas é dizer que simplesmente paramos no tempo, que precisamos urgentemente copiar a Europa e suas ideias. Argumento válido.

Outra é pensar que deixamos de lado as principais qualidades do nosso jogo para adaptar a formação de nossos atletas às necessidades de empresários que abastecem o mercado europeu de segunda linha e ao instinto de sobrevivência de comissões técnicas que respondem a dirigentes amadores.

Futebol não tem verdade absoluta.

Seria burrice não reconhecer que o jogo evoluiu, que os atletas estão percorrendo maiores distâncias em menor tempo no campo de jogo e que os latifúndios que havia há alguns anos desapareceram.

Seria estupidez negar que a técnica apurada e a criatividade sempre foram o diferencial dos jogadores brasileiros de futebol. Desde os meias cerebrais que jogavam com a camisa 10, os pontas-de-lança dinâmicos que usavam a 8, os centroavantes de vários estilos que, altos ou baixos, fizeram da área sua propriedade. Laterais com avanços e cruzamentos perfeitos, meio-campistas de passe e leitura de jogo milimétricos. Pontas dribladores e de cruzamentos precisos.

Onde foram parar as tabelinhas, os dribles, os lançamentos?

A Argentina que agora se recupera pode ser um fiasco na Copa do Mundo, e o Brasil de repente consegue faturar o hexa. É futebol.

Brasil x Argentina - final da Copa América 2021 — Foto: André Durão

Brasil x Argentina – final da Copa América 2021 — Foto: André Durão

Precisamos resolver urgentemente uma questão aflitiva: como tirar o melhor individualmente dos talentos que ainda existem em prol de um jogo mais moderno, mas sem castrar as características.

Isso passa pela base, pela formação, por trabalho de fundamentos. Não há uma grande liga no futebol mundial na qual se erre tantos passes como no Brasil. Por mais que se cobre de atacantes uma função tática de recomposição, não vejo um torneio das chamadas pátrias boleiras nos quais os atacantes se desgastem tanto marcando o adversário que lhes falte força para uma arrancada decisiva no final do jogo. O grito é ferramenta de comunicação no jogo brasileiro porque os atletas ficam tão distantes uns dos outros que os atacantes precisam pedir interurbano para se comunicar com os zagueiros.

O Brasil não precisa ser uma Albânia da bola.

Mas ser um Brazil que deixa de lado as qualidades da construção de seu legado me parece tão ruim quanto não dar um F5 no jogo.

Atualização com base em nossa história, nossos conceitos e no maior patrimônio do futebol cinco vezes campeão mundial: o jogador brasileiro.

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Globo Esporte
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