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Boato de incêndio causou maior tragédia infantil de São Paulo há 82 anos

Eram quase seis horas da tarde quando um grito de “fogo” iniciou um tumulto dentro do Cine Oberdan.

Boato de incêndio causou maior tragédia infantil de São Paulo há 82 anos
Boato de incêndio causou maior tragédia infantil de São Paulo há 82 anos

Redação Publicado em 10/04/2020, às 00h00 - Atualizado às 17h29


Pisoteamento de 32 pessoas no Cine Oberdan, no bairro do Brás, deixou capital de luto. Maior parte das vítimas era composta por crianças

Eram quase seis horas da tarde quando um grito de “fogo” iniciou um tumulto dentro do Cine Oberdan.

O dia 10 de abril de 1938, pouco mais de nove anos após a inauguração do espaço, ficou marcado como data de uma das maiores tragédias envolvendo crianças na história de São Paulo. O resultado do boato de incêndio , que até hoje não teve origem confirmada, foi a morte de 32 pessoas, 31 delas menores de idade.

O Cine Oberdan, localizado no bairro do Brás, tinha capacidade para cerca de 700 pessoas e exibia uma sessão matinê de “Criminosos do Ar”, um filme norte-americano de ação, no momento em que o tumulto foi iniciado.

As narrativas do gerente do local e do operador da película, que foram replicadas em diversos jornais da época , desenhavam uma cena de pânico e desespero por um incêndio que não estava ocorrendo.

Segundo investigações policiais, parte do público correu em direção a uma porta de ferro que estava fechada. As crianças morreram pisoteadas e sufocadas contra o espaço.

“De súbito se originou entre a criançada verdadeiro pânico. Que todos ao mesmo tempo o procuravam ganhar a porta principal , formando-se, então, violento tumulto entre os espectadores”, disse a ocorrência policial exposta no jornal Folha da Noite três dias após o ocorrido.

Apenas uma das vítimas , identificada como Maria Pereira, era maior de idade. Ela tinha 45 anos e morreu tentando salvar a filha, Joana, com menos de um ano de idade. A bebê sobreviveu.

As vítimas mais novas foram identificadas como Armando Vavá e Pedro Pricoli, ambos tinham oito anos . Pedro morreu junto ao irmão, Walter, de 12 anos. Os dois tinham ido ao cinema com o irmão mais velho, José, de 16 anos, que sobreviveu.

A morte de Pedro e a reação do irmão José foi detalhadamente narrada pelo Correio Paulistano, que chegou a entrevistar o pai do menino no velório dos filhos.

“Escoadas, completamente, as galerias, e não vendo os seus irmãos entre os presentes, José dirigiu-se às escadas e, passando sobre mortos e feridos, num dos degraus encontrou Pedro já sem vida. Carregou-o para a rua e, vendo a primeira ambulância chegar àquelle instante, nella entrou, conduzindo o corpo do pequeno”, afirmou a publicação.

Luto

No ano da tragédia, São Paulo já era a maior cidade do Brasil, com 1,03 milhão de habitantes. O luto foi vivido de forma intensa na cidade, com registro de multidões nos velórios das vítimas realizados no Cemitério do Brás, onde foram sepultadas 20 das vítimas; Cemitério da Penha, com 6 sepultamentos; Cemitério do Araçá, com três enterros e Cemitério de Itaquera, com dois velórios.

A notícia gerou comoção mundial, com recebimento de telegramas com a solidariedade de países como Itália, Cuba e Peru. Três dias de luto oficial foram decretados pela força pública de segurança da cidade.

Na ocasião, até mesmo os operários , força motriz da economia na cidade, foram convidados a enviar comissões para os velórios das vítimas.

Medidas após a tragédia

Após a tragédia, o governo brasileiro determinou que escolas de todo país realizassem treinamentos de incêndio e trabalhassem com alunos dicas sobre como reagir a momentos de pânico como os registrados no cinema.

O motivo dos treinamentos, de acordo com o Diário Oficial da época, era ajudar as crianças a ver um “modo de se encarar um perigo dessa natureza”.

anúncio de jornal avisando sobre funcionamento

Hemeroteca Nacional Cinema voltou a funcionar pouco mais de um mês após tragédia

Em Pernambuco, a exibição de filmes de aventura ou drama foram proibidos em matinês por falta de espaços adequados.

Apesar das denúncias de falta de iluminação e de comando dos responsáveis pelo cinema na hora do tumulto, o local reabriu um mês e uma semana após a tragédia, anunciando três filmes em sequência nos jornais da época.

Investigações do crime

O culpado direto do caso nunca foi preso. Por muito tempo, a polícia trabalhou com as hipóteses de que o grito tenha sido dado por brincadeira de uma das crianças presentes. A reportagem do Correio Paulistano, narrou que um jornal parcialmente queimado foi encontrado em uma das cabines de banheiro do cinema.

“Junto a elle [o jornal queimado] estava uma calça de menino, e a suposição creada é a de que esse pequeno tivesse estado ali, firmando, e tivesse queimado o jornal proposital ou accidentalmente. Teria sido essa a fumaça que toldou a tela, justamente quando na fita o avião se incendiou”, afirmou a publicação.

Local da tragédia ainda existe

Após ser reaberto, o Cine Oberdan funcionou até o fim da década de 1960 transmitindo filmes para o público. Ele foi fechado, vendido e tornou-se uma loja de confecção de roupas que funciona como comércio até hoje no Brás.

Apesar da mudança extrema na Rua Firmino Whitake, popular ponto de comércio no bairro, o antigo Cine Oberdan mantém a estrutura física. Confira, abaixo, comparação entre foto da época de funcionamento do cinema e do ano de 2019

IG

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