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Biden e Putin: a Cúpula

Por Marcus Vinícius de Freitas*

Biden e Putin: a Cúpula
Biden e Putin: a Cúpula

Redação Publicado em 08/12/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h32


Por Marcus Vinícius de Freitas*

Biden e Putin: a Cúpula

As movimentações da Rússia em suas fronteiras vêm causando preocupação nos vizinhos. Em razão de seu histórico recente de ocupação em países como a Geórgia e a Ucrânia, não há dúvida que qualquer deslocamento de tropas por parte de Moscou deixam todos muito preocupados. Os países próximos sentem o temor de uma tentativa de restauração do império soviético. Já para os países europeus, essas movimentações são preocupantes porque podem causar uma disrupção no fornecimento de energia, particularmente o gás natural, que é responsável pelo aquecimento de grande parte dos países europeus e de vital relevância nos meses frios do inverno no hemisfério norte.

Além disso, o mundo fica preocupado porque se teme a reação que as outras potências poderiam ter para firmar um posicionamento ou até mesmo buscar impedir qualquer avanço russo. Como no mundo ocidental a ideia de alianças é uma das bases fundamentais para atuação, certamente que os termos do artigo 5º do Tratado da Organização do Atlântico Norte – que afirma que o ataque a um dos membros é considerado como um ataque a todos – criam uma renovada expectativa para todos os membros da aliança. Afinal, o menor descuido pode ter implicações de elevada letalidade e custo mundial.

É com grande preocupação que o mundo observa o que se passa na Eurásia. Os impactos de qualquer ação podem ter consequências danosas e duradouras, muitas vezes praticamente irreversíveis até porque os mecanismos existentes para reverter determinadas situações, quando se tratam de países detentores de poderio nuclear, não são capazes de alterar, efetivamente, as situações estabelecidas.   As sanções que venham a ser impostas podem até criar um certo desconforto inicial para o país, mas a realidade se impõe e rapidamente se encontram alternativas para suprir as necessidades existentes. Para exemplificar, basta relembrar que se sanções e embargos funcionassem efetivamente, a família Castro jamais teria ficado há tantas décadas direta – e agora – indiretamente no poder.

Paulatinamente, Vladimir Putin vai reconstruindo e fortalecendo suas esferas de importância e relevância. Para ele, que considera o colapso do império soviético a maior tragédia do século XX e que logrou, com esforço, empenho e mão pesada, recuperar um pouco da imagem da Mãe Rússia depois das agruras deixadas por Boris Yeltsin, os caminhos do retorno glorioso à suposta primazia internacional parecem ter acelerado nos últimos tempos, apesar da instabilidade doméstica que enfrenta. Putin governa com mão de ferro, apesar de manter as instituições. Ademais, conseguiu garantir estabilidade num país que estava fadado a entrar em colapso. De início Putin  desempenhou um papel importante no controle da desestruturada Rússia. No entanto, à medida que os anos passam, Putin vem reduzindo sobremaneira o seu capital de popularidade, num país que sofre as consequências positivas e negativas da dependência de commodities – como petróleo e gás – além de um ostracismo internacional imposto pelos países que veem nele uma séria ameaça.

Nos últimos tempos, Putin vem aumentando suas ameaças aos países satélites, particularmente a Ucrânia, em cuja fronteira o governo russo estacionou um contingente militar substancial. Apesar das garantias dos países ocidentais de que pretendem proteger a Ucrânia sem diluir o poder regional de Putin, a verdade é que ele entende necessário punir – ou, ao menos, amecar punir – a qualquer país que  flerte com instituições como a OTAN e a União Europeia.  No tocante à União Europeia, Putin adota uma postura mais ambígua, porém mais tranquila, afinal a melhoria na situação econômica de um país também afeta positivamente a Rússia. Porém, quando o assunto é aproximação de qualquer país à OTAN, a organização criada na Guerra Fria cujo objetivo era a destruição da União Soviética, a postura de Putin é muito clara: em suas fronteiras não podem existir aliados de qualquer arranjo que seja temerário à Rússia. Erros do passado, ocorridos nos tempos de Yeltsin e no início de governo Putin, permitiram que países fronteiriços e ex-aliados se tornassem membros da OTAN: Polônia em 1999, Estônia, Letônia e Lituânia em 2004.

A recente conversa virtual entre Putin e  Joe Biden não refrescou a situação. Putin parece determinado em assegurar o status atual da Ucrânia e não pretende ver o quadro mudando num futuro breve. Para tanto, insinua a possibilidade de uma nova ocupação reduzindo, ainda mais, o território soberano do país. Por mais que Biden tenha ameaçado, a vastidão do arsenal nuclear russo, aliado a vitorias recentes como o apoio à manutenção de Bashar al-Assad na Síria, juntamente com o investimento maciço em guerra cibernética, garantem a Putin maior tranquilidade do que qualquer ameça advinda dos Estados Unidos.

A situação é difícil. Por mais que os países queiram acreditar na possibilidade de o Ocidente vir a resgatá-los numa movimentação mais abrupta, a realidade é que, cada vez menos, as lideranças políticas estão dispostas a perder pontos eleitorais resultantes de cadáveres advindos de uma guerra em lugares que a população não conhece nem sabe falar o nome. O medo político dos líderes ocidentais é o maior triunfo de Putin. Procuram-se estadistas!

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*Marcus Vinicius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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