Perto da orla marítima em Trípoli, cidade do norte do Líbano, artistas lançaram um protesto para salvar uma joia da arquitetura modernista concebida há mais
Redação Publicado em 22/10/2018, às 00h00 - Atualizado às 11h22
Perto da orla marítima em Trípoli, cidade do norte do Líbano, artistas lançaram um protesto para salvar uma joia da arquitetura modernista concebida há mais de meio século pelo brasileiro Oscar Niemeyer.
Os artistas libaneses e de outros países ocupam há um mês a Feira Internacional de Rashid Karami, um grande complexo arquitetônico concebido na década de 1960 pelo pai de Brasília.
Localizado em um terreno de 70 hectares, segundo a Unesco, o conjunto de prédios futuristas em concreto recebeu o nome de um ex-primeiro-ministro libanês da região de Trípoli. Sua construção foi interrompida pela guerra civil que destruiu o Líbano entre 1975 e 1990.
O local foi usado pelas forças armadas durante a guerra e depois abandonado. Hoje, está repleto de marcas do tempo: estruturas rachadas, piscinas vazias e ervas daninhas.
O evento cultural organizado em seu interior pede intervenção do governo libanês para resgatá-lo do esquecimento e a inscrição do lugar na Lista do Patrimônio Mundial pela Unesco.
A obra futurista é “única no Líbano e na região”, diz, entusiasmado, Wassim Naghi, presidente da União dos Arquitetos do Mediterrâneo.
Cúpula, arco, escadas em espiral no topo: Niemeyer deixou sua imaginação fluir em um lugar que ele concebeu como um espaço público para encontros, aberto a todos.
A Feira deveria receber exposições permanentes, três museus e um teatro experimental, antes que a guerra civil do Líbano pusesse fim ao sonho.
“Em sua modernidade, suas formas curvas resumem o progresso da arquitetura nos últimos 100 anos”, define Naghi, lembrando que essa é uma das “maiores obras de Niemeyer fora do Brasil”.
Mas a herança está ameaçada. “Os edifícios de concreto armado devem ser restaurados o mais rápido possível: alguns sofreram corrosões, blocos estão caindo e há muitas rachaduras”, adverte o presidente da União dos Arquitetos.
“Tememos surpresas desagradáveis, especialmente no inverno, e pedimos urgentemente ao Estado que intervenha”, pediu.
Este local “testemunha a era de ouro da história moderna do Líbano e seus sonhos arquitetônicos, científicos e culturais”, diz a curadora Karina El Helou.
Esse período próspero foi marcado por uma proliferação de ideias e projetos, lembra ela.
Originalmente, um espaço subterrâneo abrigaria um museu de arquivos sobre a exploração espacial do Líbano, em homenagem a um episódio de sua história que muitos libaneses desconhecem. Na década de 1960, o país lançou vários foguetes pequenos sem astronautas, dos quais apenas um deles conseguiu chegar ao espaço.
Este programa parou em 1969 e o museu espacial nunca chegou a existir.
Para ressuscitar sua memória, uma reprodução do foguete Cedar – que cruzou a atmosfera há mais de 50 anos – está exposto onde seria o museu, como parte do evento cultural em andamento.
Uma peça de teatro experimental também é proposta – um aceno ao teatro que o complexo iria abrigar – bem como um concerto dedicado aos imigrantes ilegais que vivem em Trípoli.
O evento cultural também “destaca o perigo iminente que pesa sobre este sítio”, diz Hélou. “É bom restaurar os locais da história antiga, mas também devemos preservar esses monumentos que refletem a história moderna do país”, aponta.
Dada a indiferença das autoridades, denunciada pelos artistas, a representante do Líbano na Unesco, Sahar Baassiri, garante que o Estado libanês e a organização internacional estão mobilizados.
“Pretendemos continuar o trabalho em vista de inscrever o local na lista do Patrimônio Mundial em Perigo, na seção ‘arquitetura contemporânea'”, informou.
Mas alguns temem que o atual impasse político no Líbano possa precipitar ainda mais a decadência do local, enquanto o país está sem governo desde maio.
Para sua reabilitação, “precisamos de estudos (…), de dinheiro e de um governo”, insiste Naghi. “A atmosfera atual no país não é um bom sinal”.
Para Akram Oueida, diretor-geral da Feira, uma classificação da Unesco poderia “abrir as portas para doações externas”. “Estamos tentando obter financiamento do governo, nos foi prometido, mas nada foi feito”.
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