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Apenas dois a cada 10 estupradores vão presos

Região metropolitana de SP registrou dez estupros por dia no primeiro semestre de 2016

Apenas dois a cada 10 estupradores vão presos
Apenas dois a cada 10 estupradores vão presos

Redação Publicado em 27/07/2016, às 00h00 - Atualizado às 17h07


Região metropolitana de SP registrou dez estupros por dia no primeiro semestre de 2016

Todos os dias, dez mulheres na capital e municípios da  Grande São Paulo são estupradas. Na outra ponta dessa violência, apenas dois criminosos vão parar atrás das grades no mesmo período. Mesmo tendo um aumento de 91% no número de prisões, a detenção aos agressores ainda é bem menor se comparado aos  registros de casos.

De acordo com números obtidos pelo DIÁRIO por meio da Lei de Acesso à Informação, entre  janeiro e junho deste ano foram presas 420 pessoas por crimes contra dignidade sexual (incluem estupros consumados, vulneráveis e outros casos). No mesmo período do ano passado,  foram 219 detenções pelos mesmos feitos.

Também nos seis primeiros meses de 2016  foram feitos 1.881 boletins de ocorrências de estupro. No mesmo período do ano passado foram 1.907.

Não é possível dizer que todas as prisões, este ano e em 2015, são dos acusados nos boletins registrados porque podem  haver procurados pela Justiça ou casos antigos entre os casos que acabaram em detenção.

A defensora Pública Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, explicou  que os casos de autoria desconhecida são os mais  difíceis de ter punição porque a investigação da polícia paulista é completamente falha.

“É um crime difícil de ser comprovado quando não se sabe a autoria. Sabemos que a polícia não vai atrás e o que acontece é que o cara acaba cometendo o crime novamente e a outra vítima é chamada para fazer reconhecimento. Simplesmente não há investigação”, acusou.

Para a coordenadora da ONG Rio de Paz,  Fernanda Vallim, ainda há um problema de subnotificações. Além disso, o atendimento, considerado por ela precário, em delegacias acaba ajudando na não comunicação do crime.

“Essa falta de estrutura alimenta a impunidade porque a mulher não registra a ocorrência ou enfrenta uma via crucis para fazer os exames (que comprovam o estupro). É preciso criar uma estrutura de denúncia para essa vítima ser acolhida, recebida por uma assistente social, um psicólogo”, disse. “Os governos (municipal e federal) não oferecem um tratamento pós-traumático para essas mulheres.”

Para ela,  o aumento nas prisões pode ter relação com a pressão cada vez maior da sociedade por respostas. “Existe uma forma, sim, de combater a impunidade. É preciso prender, condenar, mas, principalmente, educar e conscientizar”.

O  número de estupros no estado de São Paulo  passou de 681 para 811,  comparando junho deste ano com o mesmo mês de 2015. Segundo o secretário de Segurança Pública, Mágino Barbosa Filho, este é um crime difícil de prevenir porque “70%  acontecem dentro de casa”.

Análise

Rosana Schwartz, professora de sociologia do Mackenzie

Falta capacitação no 1º atendimento

As mulheres começaram a perceber que a denúncia é uma forma de defesa. Mas ainda existe uma diferença muito grande da mulher dos grandes centros urbanos e daquela  do interior e regiões mais remotas. Essas ainda não entendem que uma relação forçada, indesejada é estupro. Por isso, é importante campanhas de esclarecimento, programas específicos para esse público desde a escola até a universidade. Nós temos um quadro de denúncias maiores, mas ainda é muito pequeno. A situação de atendimento para essas pessoas é precária. Muitas vezes a pessoa que está fazendo esse atendimento não é capacitada para tal e, às vezes, ela passa por outros constrangimentos. Por isso, algumas vítimas não dão continuidade ao processo por se sentirem ainda mais violentadas na delegacia.

RESPOSTA DA SSECRETARIA

Secretaria pede para vítimas denunciarem

Questionada, a Secretaria de Segurança Pública disse que as prisões por estupros não decorrem da ação única das polícias, mas sim de todo um sistema jurídico. “A denúncia do crime depende exclusivamente de ação da vítima ou seu responsável legal, que, após a comunicação na delegacia, tem um prazo de seis meses para prosseguir com a denúncia”, explica a nota. “O aumento da notificação, motivado pela discussão cada vez mais presente nos veículos de comunicação e nas redes sociais, reflete o crescimento dos registros”, segunda a pasta do governo Geraldo Alckmin (PSDB). “Para que esses registros se convertam em prisões, além da opção pela representação criminal, é preciso a comprovação do crime. Daí, a importância de que a polícia seja imediatamente comunicada para a realização de exame sexológico e outras providências legais”, completa a nota, que não cita a possível falta de estrutura nas delegacias e o fato de as Delegacias da Mulher permanecerem fechadas durante a noite, madrugada, sábados e domingo.  A secretaria também não comentou as acusações da defensora Pública Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher,  de que o trabalho das polícias é falho, principalmente para encontrar responsáveis por casos de violência contra a mulher.

Depoimento

Estudante 21 anos, vítima de estupro em janeiro deste ano 

Não consigo esquecer aquela cena horrível

Em janeiro deste ano sofri algo que nunca imaginei. Conheci um cara em uma festa e, depois, combinamos um encontro. Fomos em um bar e, então, para a casa dele. Estava tudo certo, nos beijamos e começamos a transar. Em um determinado momento, ele me segurou e me colocou de bruços. Sem eu querer, fez sexo anal comigo. Eu, antes, disse que não queria, pedi várias vezes para me soltar e parar com aquilo, mas ele continuou. Fez por mais duas vezes e, mesmo eu me debatendo, ele dizia para que eu ficasse quieta porque precisava terminar. Não consigo esquecer aquela cena horrível. Até três meses atrás eu sentia a mesma angústia quando aconteceu. Agora estou melhor, mas me sinto péssima. Ele ainda teve a cara de pau de ligar para mim depois. Queria um outro encontro. Para ele, não havia nada de errado. Mas eu não queria que ele fizesse aquilo. Espero que um dia pague por isso. Sempre sonho com aquilo. Nunca vai sair da minha cabeça.

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