A Conmebol anunciou na última quarta-feira que havia iniciado um procedimento para apurar se o Santos desrespeitou o regulamento da entidade ao escalar o meia
Redação Publicado em 23/08/2018, às 00h00 - Atualizado às 10h14
A Conmebol anunciou na última quarta-feira que havia iniciado um procedimento para apurar se o Santos desrespeitou o regulamento da entidade ao escalar o meia uruguaio Carlos Sánchez no jogo contra o Independente, da Argentina, pelas oitavas de final da Libertadores. A entidade tomou a medida antes mesmo de o clube argentino formalizar sua reclamação – o que só aconteceu no fim da noite.
Há indícios, para a Conmebol, de que Carlos Sánchez não poderia entrar em campo pelo Santos por ter uma suspensão de um jogo pendente, ainda da época em que defendia o River Plate.
A decisão pode modificar o placar original da partida, um empate sem gols em Avellaneda, e dificultar a classificação do Santos para as quartas de final. Se o Peixe for punido, o resultado passaria a ser 3 a 0 para o Independiente. Ou seja: o Peixe precisaria vencer por quatro gols de diferença na terça-feira, no Pacaembu, para avançar na Libertadores.
Entenda abaixo os principais pontos do caso e as possíveis consequências:
O que a Conmebol analisa?
A Confederação anunciou que investiga a possibilidade de o Santos ter desrespeitado os artigos 7.2 f (descumprir as decisões, diretrizes ou ordens dos órgãos judiciais) e 7.2 j (inscrever no relatório arbitral de um jogo ou utilizar ao longo da partida um jogador não elegível para disputar a mesma) do Regulamento Disciplinar da entidade.
Segundo a entidade, há indícios de que o uruguaio Carlos Sánchez não tinha condições de entrar em campo no jogo contra o Independiente, na última terça-feira, na Argentina.
O que impediria Sánchez de jogar?
Quando ainda defendia o River Plate, em 2015, Carlos Sánchez foi expulso ao agredir um gandula na semifinal da Copa Sul-Americana contra o Huracán. Em dezembro daquele ano, o uruguaio recebeu uma suspensão de três jogos e multa de US$ 3 mil.
O artigo 74 do Regulamento Disciplinar da entidade determina que se a competição terminar sem que o jogador tenha cumprido a suspensão por partida, a pena deverá ser cumprida no torneio seguinte no qual o atleta participar, independentemente de ele ter trocado de clube. No caso, como não cumpriu a punição na Sul-Americana de 2015, Sánchez teria que cumprir na próxima competição de clubes da Conmebol que participasse.
Logo após aquela eliminação, Sánchez disputou o Mundial de Clubes pelo River Plate (e foi liberado por se tratar de um torneio da Fifa, não da Conmebol) e se transferiu para o Monterrey, do México, de onde saiu em julho para se apresentar ao Santos. A Libertadores deste ano é o primeiro torneio da Conmebol que ele disputa desde a punição de 2015.
O que foi a anistia de 2016?
Há dois anos, quando completou 100 anos, e sob este pretexto, a Conmebol anunciou uma anistia a clubes e atletas com punições pendentes. As penas de atletas seriam diminuídas pela metade e a de clubes em dois terços. A medida beneficiou principalmente o Boca Juniors, que tinha sido punido pelo episódio em que torcedores lançaram gás de pimenta em jogadores do River Plate na Libertadores de 2015.
O clube argentino, que foi eliminado daquele torneio e foi punido com oito jogos sem torcida nos torneios seguintes, precisou cumprir apenas dois.
Carlos Sánchez também foi beneficiado. O uruguaio, que teria que cumprir três jogos, teve a pena cortada pela metade, uma partida e meia – em casos assim, a ordem era arredondar para baixa, o que significou uma pena de um jogo.
A sanção deveria ser cumprida na primeira partida de um torneio de clubes da Conmebol em que ele estivesse inscrito, justamente o duelo com o Independiente, na última terça.
Mas a pena não prescreveu?
Não. Há uma confusão com dois artigos do Regulamento, o 9 e o 78 – ambos tratam sobre prescrição. O primeiro, porém, se refere ao prazo de prescrição das infrações: é o tempo que a Conmebol tem para denunciar e julgar um clube, atleta ou outro personagem a partir do cometimento da infração. Ele estipula que infrações cometidas em uma partida prescrevem em até dois anos.
O artigo 78 trata da prescrição das sanções, o tempo para que uma punição seja cumprida. O parágrafo “C”, sobre sanções a pessoas físicas, determina prazos de três anos (para punições de uma partida) até oito anos (para punições superiores a seis jogos).
Sánchez é enquadrado no artigo 78. Se for considerado o período de punição pós-anistia, de um jogo, a prescrição se daria apenas em novembro deste ano. Se considerada a punição total, de três jogos, apenas em 2021. De uma forma ou outra, ainda estaria no prazo (de gancho).
Qual a justificativa do Santos para que ele fosse escalado?
O Santos se apoia principalmente no sistema de registro de atletas utilizado pela Conmebol, o Comet, para se defender. Como mostrou o GloboEsporte.com na última quarta, o sistema registra que Carlos Sánchez não tinha nenhum outro jogo de suspensão para cumprir. A pena teria sido extinta em maio deste ano.
O clube brasileiro afirma que não pode ser punido por um erro do software, que entende ser uma fonte oficial de informações da confederação.
O suposto erro do sistema exime o Santos de culpa?
Essa será a discussão sobre o caso no comitê disciplinar e a tese defendida pelo Santos.
No Seleção SporTV, o gerente jurídico do Santos, Rodrigo Gama, afirmou:
– O Santos não tinha conhecimento de que ele tinha três partidas de suspensão, o que soubemos é que caiu pela metade, pelas medidas da circular de 2016. Isso não é passado a terceiros, eu tenho que me pautar pela informação que a Conmebol me deu, que é o sistema. Não posso me pautar por um e-mail que eles passaram para o River. Deveria estar no sistema até antes do Santos contratá-lo. Quando o Santos contratou Sánchez, já estava como zerado no sistema.
Ao mesmo programa, o advogado Eduardo Carlezzo afirmou que a responsabilidade sobre checar a condição do atleta e a decisão de escalá-lo é do clube:
– Existe um princípio que é a responsabilidade dos times para verificar os atletas que escalará. Já vimos no Brasil vários casos, como no caso do Héverton, na Portuguesa. A Bolívia perdeu pontos nas eliminatórias. Mais recentemente, o Temuco ganhou nos campos e perdeu nos tribunais, porque usou um jogador irregular, aí perdeu por 3 a 0 – disse.
O artigo 11.8 do Regulamento abre uma brecha para transferir a responsabilidade aos clubes: ele diz que “as suspensões automáticas são denominadas assim porque operam sem necessidade de que a Unidade Disciplinar informe ao clube ou ao jogador processado sobre as mesmas”.
E continua: “A notificação realizada pela Unidade Disciplinar tem efeitos somente informativos, sendo exclusivamente responsabilidade dos clubes e das Associações Membro que seus jogadores cumpram com as mesmas, sob advertência expressa das consequências regulamentares que em caso contrário possam derivar-se (ex.: escalações indevidas)”.
O segundo trecho, segundo Carlezzo, aponta a “responsabilidade objetiva” dos clubes em situações como essa.
Quando isso será julgado?
Como a partida de volta está marcada para a próxima terça-feira, dia 28, a Confederação prevê uma decisão para, no máximo, segunda-feira. O Santos deve entregar sua defesa por escrito até sexta, provavelmente.
Qual a punição prevista caso a Conmebol entenda que houve irregularidade?
Ao informar que estava analisando o caso, a Conmebol citou o artigo 19 do regulamento, que impõe derrota de 3 a 0 ao clube infrator – modificando o placar original do empate em 0 a 0. Nessa hipótese, o Santos teria que vencer o Independente no Pacaembu, terça-feira, por ao menos 4 a 0 para avançar para as quartas de final. Um 3 a 0 para os alvinegros levaria a disputa para os pênaltis.
É possível recorrer?
Sim. Primeiro, na própria Conmebol, no Tribunal de Apelações. No limite, no CAS (Corte Arbitral do Esporte), a última instância esportiva, na Suíça. Algo que poderia levar meses.
Existem casos recentes de punição a clubes por escalar jogadores irregulares?
Sim. Neste ano o Temuco, do Chile, foi punido por colocar em campo Jonathan Requena em partida contra o San Lorenzo na Copa Sul-Americana – uma vitória chilena na Argentina por 2 a 1.
A Conmebol entendeu que houve irregularidade por que Requena já tinha sido inscrito no mesmo torneio pelo Defensa y Justicia, o que é proibido. Assim, o San Lorenzo foi considerado o vitorioso da partida por 3 a 0. Na volta, no Chile, o Temuco venceu por 1 a 0, insuficiente para se classificar.
Em 2017, a Chapecoense também recebeu punição semelhante por escalar o zagueiro Luiz Otávio contra o Lanús – a decisão eliminou o time da Libertadores.
No caso do time catarinense, pouco antes da partida contra o Lanús, um delegado da Conmebol avisou que Luiz Otávio estava suspenso e não poderia jogar. A Chape disse que não tinha sido informada e manteve a escalação.
A confusão se deu quando o jogador foi expulso contra o Nacional, do Uruguai, e cumpriu um jogo, a suspensão automática, na final da Recopa, contra o Atlético Nacional, da Colômbia.
Ele foi suspenso por três partidas, mas a Chape diz que a Conmbeol informou a punição a uma pessoa que não era o advogado do clube, responsável pelo caso. Esse desencontro de informações, no fim, levou à condenação da Chapecoense, que, com a derrota aplicada pelo tribunal, não conseguiu avançar às oitavas de final.
É verdade que o Independiente também tinha um jogador irregular?
Não. O volante Pablo Hernández, argentino naturalizado chileno e que estreou na Libertadores pelo Independiente justamente na última terça-feira, contra o Santos, estava em situação legal. Hernández, que estava no Celta de Vigo, da Espanha, foi expulso em seu último jogo na Libertadores, pelo O’Higgins, do Chile, contra o Lanús, da Argentina, em 2014.
O GloboEsporte.com checou a informação com a Conmebol. Hernández realmente foi expulso naquela partida, sua última antes de seguir para o futebol europeu. Mas dois fatos impossibilitam qualquer tentativa do Santos de levar um processo adiante contra o Independiente:
Ainda que não tivesse prescrito, Hernández poderia ter sido beneficiado pela anistia da Conmebol dada a jogadores em 2016 – quando todos os ganchos foram reduzidos pela metade. Ou seja: a pena de suspensão automática de Hernández (um jogo) teria caído.