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Aluno encontrará escolas com problemas de estrutura, dizem educadores

"O novo currículo do ensino médio vai atrair mais estudantes para a escola. Mas que escola?", provoca o educador Fernando Cassio, professor da Universidade do

Aluno encontrará escolas com problemas de estrutura, dizem educadores
Aluno encontrará escolas com problemas de estrutura, dizem educadores

Redação Publicado em 04/08/2020, às 00h00 - Atualizado às 12h37


Estado de SP anunciou mudanças que concedem maior autonomia ao estudante e têm como objetivo diminuir a evasão escolar.

“O novo currículo do ensino médio vai atrair mais estudantes para a escola. Mas que escola?”, provoca o educador Fernando Cassio, professor da Universidade do ABC, em São Paulo, que acompanha de perto o desenvolvimento dos currículos escolares. “As escolas já não tinham estrutura, muitas não têm biblioteca, às vezes não têm nem cortina para evitar a entrada de luz para o estudante enxergar o quadro-negro”, diz.

Na segunda (3), o governo do Estado de São Paulo anunciou que a partir do ano que vem mudará o currículo do ensino médio. A nova proposta mantém os componentes básicos do currículo, mas os alunos poderão escolher até duas áreas de conhecimento para aprofundar seus estudos. Se alguém tiver mais interesse em engenharia, por exemplo, poderá optar por um itinerário formativo (as disciplinas de escolha do aluno) voltado à matemática. Em São Paulo, a mudança deverá ser implementada para quem entrar no ensino médio em 2021.

Um dos objetivos dessa mudança é tentar atrair e manter os jovens na escola – algo desafiador depois da pandemia do novo coronavírus, com as indefinições sobre o retorno das aulas presenciais e uma crise econômica que pressiona as famílias a buscarem fontes de renda. Outros 14 estados brasileiros também já elaboraram novos currículos, previstos após reforma do ensino médio. Os documentos estão na fase de consulta pública e a expectativa é que sejam implementados em 2022.

Mas os desafios da escola pública passa por problemas estruturais que afastam o estudante, segundo Fernando Cassio. Par ele, a reforma curricular é uma política menos custosa para tentar conter a evasão.

“O currículo e essa ideia de que flexibilização e liberdade de escolha vá redimir os pecados da escola pública é um discurso que não se sustenta na realidade, porque basta ir na escola pública e você vai ver que não tem biblioteca, que não tem laboratório de ciência, que as salas de aula são super lotadas. Evitar isso para o estudante é o básico”, afirma. “Não dá para pensar a política educacional como política de currículo”.

Uma escola próxima à realidade dos alunos

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou na apresentação do novo currículo que a meta é “criar uma escola que dialogue com a realidade atual da juventude, que se adapte às necessidades dos estudantes e os prepare para viver em sociedade e enfrentar os desafios de um mercado de trabalho dinâmico”.

Além do esforço para manter os jovens na escola, existe também a questão de dar prosseguimento à formação educacional. Eduardo Deschamps, ex-membro do Conselho Nacional de Educação, cita que 40% dos que concluem o ensino médio não se inscrevem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – a nota no exame é usada para a seleção em universidades públicas.

“O novo currículo já iria ajudar a reduzir a evasão em condições normais. Com a pandemia, mais ainda. O aluno que não perceber que o ensino médio é algo que passou a ser diferente, algo mais focado em desenvolvimento de vida e competências socioeconômicas, pode evadir. A mudança pode não só eliminar evasões novas, mas trazer de novo à escola quem deixou de estudar este ano”, analisa Deschamps.

“Uma das expectativas da reforma do ensino médio sempre foi dar mais significado ao estudantes. É uma etapa que apresenta evasão maior, principalmente no primeiro ano. A expectativa é que com um ensino médio mais atrativo, o impacto da pandemia na evasão será menor”, afirma Helio Daher, membro da Frente Novo Ensino Médio do Consed e presidente do conselho estadual de educação do MS.

Deschamps alerta, no entanto, que as mudanças propostas com o novo currículo vão exigir adaptações na gestão das escolas, em um momento que já é de crise, com poucos recursos. “Eu acho possível [implementar o currículo em meio a pandemia]. O fato é o grau de capacidade de investimento nas mudanças propostas pelo novo ensino médio, que implica uma série de mudanças de gestão da escola a partir do momento que terá muita restrição fiscal”, analisa.

O que muda com o novo currículo?

O currículo escolar desta etapa de ensino está em debate desde a reforma do ensino médio, sancionada no governo Temer em 2017, que se desdobrou na elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada pelo MEC em 2018, e na definição dos “itinerários formativos”, nome que se deu à parte do currículo que terá a maleabilidade pretendida para se adaptar aos desejos dos alunos, que só foi homologada em 2019.

O novo currículo prevê 1.800 horas de aulas de formação geral básica e 1.200 horas de itinerários formativos ao longo dos três anos do ensino médio. Cada rede estadual escolhe como distribuir estas horas ao longo do ensino médio.

De acordo com um balanço do Conselho Nacional dos Secretários da Educação (Consed), outros 14 estados já desenvolveram suas propostas de currículo e estão submetendo o texto à consulta pública. São eles: Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Roraima, Santa Catarina e Sergipe.

Os demais ainda elaboram o documento. Após a consulta pública, o documento poderá ser submetido a correções e, depois, encaminhado para a aprovação do Conselho Estadual de Educação – o estado de SP já passou por todas estas fases.

A partir daí, virá o treinamento dos professores, o que pode enfrentar dificuldades, já que muitos relatam estresse e cansaço devido às aulas remotas na pandemia – um novo currículo com itinerários formativos, da maneira como está proposto, vai demandar mais uma grande adaptação dos docentes, que terão que expandir e reformular o conteúdo ensinado dependendo da área escolhida pelo aluno.

“A parte mais difícil é a escrita do currículo. Depois, vem a formação de professor. Ele vai precisar transitar em dois ou três conhecimentos diferenciados”, afirma Cecilia Motta, presidente do Consed.

G1

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