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A metamorfose de Marinho

Marinho era criança. Estava com a mãe e a irmã dentro de casa, em um conjunto habitacional na cidade alagoana de Penedo, localizada às margens do Rio São

Marinho
Marinho

Redação Publicado em 13/01/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h25


Como o jogador superou uma piada e virou o maior nome do Santos na luta pela Libertadores

Marinho era criança. Estava com a mãe e a irmã dentro de casa, em um conjunto habitacional na cidade alagoana de Penedo, localizada às margens do Rio São Francisco. De repente, avisou:

– Um dia eu vou jogar no Maracanã.

A irmã, dois anos mais velha, reagiu com uma risada.

– Você não tem dinheiro nem pra comprar um sacolé – retrucou. – Como é que vai ter dinheiro pra pisar no Maracanã?

Alguns anos mais tarde, Marinho faria seu primeiro jogo como profissional – no Maracanã. Passados mais alguns anos, ele experimentaria um dos episódios mais marcantes da vida ao jogar ao lado de Neymar – no Maracanã. E mais alguns anos adiante, teria a chance de referendar o melhor momento da carreira e levar o Santos a uma final de Libertadores – marcada para o Maracanã.

Às 19h15 desta quarta-feira, Marinho enfrentará o Boca Juniors na Vila Belmiro. Aos 30 anos, viverá a partida mais importante de uma trajetória repleta de drama, curiosidades, reviravoltas – e marcada por uma metamorfose: o menino tímido que virou piada, a piada que se tornou meme, o meme que se converteu em referência técnica, liderança de vestiário e voz antirracista em um dos maiores clubes do Brasil.

A GÊNESE

No dia 6 de novembro de 2016, Marinho quase saiu no soco com um colega de time.

Naquele dia, o Vitória, em luta contra o rebaixamento, recebeu o Athletico-PR pela 34ª rodada do Brasileirão. Marinho jogava na equipe baiana. Ainda no primeiro tempo, ele abriu o placar. Mas o adversário virou em poucos minutos, e o segundo gol foi consequência de um erro do lateral-esquerdo Euller. No intervalo, na saída de campo, o zagueiro Victor Ramos cobrou o jogador pela falha. Marinho escutou e não gostou. Os dois bateram boca. Victor Ramos empurrou Marinho dentro do gramado, diante da torcida. E a confusão foi vestiário adentro.

– Quando cheguei no vestiário, tava uma gritaria do c…, os dois querendo se pegar, todo mundo segurando – lembra Argel Fuchs, técnico do Vitória na ocasião.

– Mandei soltar os dois. Falei: “Querem brigar? Então briguem”. Ficaram os dois se olhando, resmungando. Disse pra eles pegarem aquela raiva e levarem pra dentro do campo. No segundo tempo, o Marinho destruiu. Jogou pra c…

O Vitória venceu por 3 a 2. Quando Marinho fez o gol da virada (depois de dar assistência para o gol de empate), Euller, já substituído, começou a chorar na beira do gramado. Encerrada a partida, Marinho dedicou o resultado ao lateral.

O caso é simbólico porque seria impensável poucos anos antes. Quando chegou ao Inter, no começo de 2009, Marinho mal abria a boca. Na pré-temporada daquele ano, na cidade de Bento Gonçalves, ele passava pelo corredor do ônibus que transportava o elenco e levava, à guisa de batismo, tapas dos jogadores mais velhos – que também tinham liberdade para bater nele nos treinamentos sempre que ele tentasse alguma jogada de efeito.

– Quando vejo o Marinho hoje, é inacreditável. É outro cara. A gente zoava, dizia que ele era um bichinho do mato. Parece outra pessoa – comenta Edinho, volante que defendia o Inter quando o atacante chegou ao Beira-Rio.

Marinho foi buscado pelo Inter no Fluminense, seu primeiro clube profissional. Na equipe carioca, mesmo na base, era alvo de brincadeiras de colegas. Eles riam da ingenuidade do alagoano, caçoavam de seu jeito de falar.

Um episódio se tornou famoso entre quem acompanhou Marinho naquela época. Em março de 2008, os juniores do Fluminense foram disputar um torneio em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. E uma das partidas foi contra o Liverpool. Os ingleses começaram melhor e abriram 2 a 0. O técnico tricolor, Edgar Pereira, chamou Marinho e, entre palavrões, gritou uma orientação que ele deveria passar a outro jogador. Foi o que Marinho fez, mas com um detalhe: repetindo o recado palavra por palavra, incluindo os xingamentos.

O Fluminense virou o jogo, venceu por 5 a 4 e, dias depois, conquistou o torneio. Marinho foi eleito o melhor jogador.

Marinho campeão e melhor jogador pelo Fluminense em Abu Dhabi - Divulgação/Fluminense

Marinho campeão e melhor jogador pelo Fluminense em Abu Dhabi – Divulgação/Fluminense

As dificuldades do começo de carreira teriam eco ao longo da história de Marinho – nos vários anos em que ele tentaria encontrar um jeito de se impor. E são consequência de tudo que ele viveu antes do futebol.

Foi uma infância difícil em Penedo. O pai de Marinho, José Carlos, não tinha trabalho fixo (fazia alguns bicos). O pouco que ganhava, gastava com bebida. Quem sustentava a casa era a mãe, Eliene, que trabalhava em um hospital da cidade, fazendo serviços gerais, lidando com rouparia e lavanderia – enquanto Cristiane, a irmã, cuidava de Marinho em casa.

José Carlos, pai de Marinho, com fotos do filho em Penedo-AL - Jonathan Lins

José Carlos, pai de Marinho, com fotos do filho em Penedo-AL – Jonathan Lins

O maior problema era o alcoolismo do pai. Certa feita, José Carlos foi convidado para ir à casa de um amigo. Foi de bicicleta e levou os filhos junto. Lá, começou a beber. Voltou para casa quase inconsciente. Horas depois, foi acordado pela esposa, desesperada: não havia sinal das crianças.

– Eu não sabia onde estavam meus filhos. Voltei para a casa onde eu tinha ido, e lá me deram um susto, disseram que eu tinha levado meus filhos. O Marinho tinha de cinco para seis anos. Fiquei desesperado. Mas as crianças tinham ficado lá. Eles não tinham me deixado voltar com elas de bicicleta – conta José Carlos, que se orgulha de estar há 16 anos sem beber.

José Carlos com imagem de Marinho pelo Fluminense - Jonathan Lins

José Carlos com imagem de Marinho pelo Fluminense – Jonathan Lins

Na escola, os colegas diziam a Marinho que tinham visto José Carlos bêbado pela cidade, e aquilo o constrangia. Ele já preferia o futebol às aulas. Acabou estudando só até a sétima série, abandonada em 2005, quando tinha 15 anos.

Era um momento em que ele já se sobressaía em campo. Queria jogar com os adultos. Quando eles permitiam, voltava para casa todo sujo de lama, para desespero da irmã, responsável por lavar as roupas; quando não permitiam, se revoltava, catava pedras e arremessava no campo, para atrapalhar o jogo.

Marinho e a irmã dividiam o quarto, algumas brincadeiras e as dificuldades da infância humilde. O menino gostava de pegar as panelas da mãe e levar para dentro de uma casinha de cachorro, onde ficava batucando até amassá-las. Presentes e guloseimas eram raros, e eles tinham que usar a criatividade para se virar.

– Hoje mesmo eu tava mascando chiclete e lembrando: quando a gente era criança e terminava o doce do chiclete, a gente colocava açúcar e guardava na geladeira, pra ver se tinha como mascar mais um pouco depois – lembra Cristiane, a irmã de Marinho.

Em Penedo, o futuro atleta transitou por times locais: jogou futebol de salão pelo Colégio Nossa Senhora de Fátima e de campo pela Ponte Preta, pelo São Francisco e por um projeto da Polícia Militar chamado “Ocupar para não entregar”. Conforme se destacava, entendia que o futebol poderia mesmo ser seu futuro. E aí pediu para defender o Sport Clube Penedense, tradicional clube da cidade – e o mais antigo do futebol alagoano.

Marinho começou a jogar pelo Penedense com 14 anos. Chegou a disputar o Campeonato Alagoano de Juniores em 2006. E acabou se transferindo para Maceió, onde defendeu o Corinthians-AL. Mas ficou pouco tempo lá: foi dispensado e retornou a Penedo, onde passou a ser indicado para testes em clubes grandes fora do Estado.

Um deles, ironicamente, foi o Santos.

MENINO DA VILA (POR POUCO TEMPO)

Marinho vestiu a camisa 10 do Santos muito antes de se tornar o principal destaque do clube. Em 2007, ele saiu de Alagoas e chegou a morar no alojamento da Vila Belmiro.

– Passei uns meses no Santos. Joguei com o goleiro Rafael Cabral, com o Serginho e também o Neymar, pois eram todos quase da mesma idade que eu. Mas não quis assinar contrato – disse o jogador à ESPN em 2017.

Marinho com a camisa 10 na base do Santos - Divulgação/Santos

 Marinho com a camisa 10 na base do Santos – Divulgação/Santos

Marinho nos tempos de Penedense - Arquivo pessoal

Marinho nos tempos de Penedense – Arquivo pessoal

Segundo Marinho, o Santos ofereceu um vínculo de seis meses, e ele achou pouco. Ainda estava na Baixada Santista quando o presidente do Penedense mandou que fosse ao Rio de Janeiro. Lá, fez testes no Flamengo, no Vasco e no Fluminense. Ficou no último, que já o havia observado em um torneio no Nordeste, quando o garoto ainda jogava pelo Corinthians-AL.

No Flu, Marinho foi integrado ao time sub-17, mas estava no último ano da categoria. Por isso, também precisaria ser observado pelo sub-20.

– Eu era o treinador do sub-20. Fizemos a avaliação em um jogo-treino entre juniores e juvenis. Em 15 minutos, ele estava aprovado. E nem sabia que estava sendo avaliado – conta Edgar Pereira.

Marinho terminou 2007 como reserva no time juvenil, mas começou a ganhar mais destaque no ano seguinte. E aí foi tudo muito rápido. Em março, viu fortalecer a relação com o Maracanã – aquela que ele fantasiava quando criança. No dia 30, fez o primeiro jogo como profissional. Foi contra o Botafogo, em um clássico no qual o Fluminense, por causa da Libertadores, escalou time reserva. Marinho entrou no segundo tempo. O Flu perdeu por 3 a 1.

O técnico tricolor era Renato Portaluppi. O técnico alvinegro era Cuca. Nos anos seguintes, os dois cruzariam novamente o caminho daquele jogador que acabava de iniciar sua carreira profissional.

MUITO MAIS QUE UM MEME

Em 28 de dezembro de 2016, Marinho colhia a fama do Brasileirão feito pelo Vitória. Com uma reta final avassaladora (sete gols nos últimos seis jogos), ele havia salvado o time baiano do rebaixamento e passara a lidar com o assédio de alguns dos maiores clubes brasileiros. E isso ficou bastante nítido para ele no gramado do Maracanã, durante o tradicional jogo festivo de Zico: enquanto nas arquibancadas a torcida do Flamengo gritava seu nome, no gramado um companheiro de ataque pedia que ele fosse para o Grêmio: Renato Portaluppi.

Marinho formou um inusitado trio de frente com o próprio Renato e com Neymar naquele dia. Fez dois gols, a exemplo do craque da seleção brasileira. E Renato, ao deixar o estádio, não tinha grandes dúvidas: no ano seguinte, Marinho não seria jogador do Grêmio – seria, isso sim, jogador do Flamengo.

Mas não aconteceu nem uma coisa, nem outra: Marinho preferiu ir para a China.

Àquela altura, o jogador ainda não tinha conseguido engrenar nos clubes mais populares que havia defendido: no Fluminense, teve desacerto na renovação de contrato e rumou para o Inter; no Inter, pouco jogou, foi parar no time B, acabou emprestado a outros clubes (Caxias, Paraná, Ituano, Náutico) e saiu magoado. E aí teve o Cruzeiro.

Marinho foi parar no clube mineiro no meio de 2015, depois de se destacar pelo Ceará. Quando chegou, o técnico celeste ainda era Vanderlei Luxemburgo. Dois meses depois, porém, Mano Menezes foi contratado. E o primeiro diálogo entre jogador e treinador, na visão de Marinho, não poderia ter sido pior.

Segundo o atacante, Mano Menezes, ao cumprimentá-lo, falou: “Ah, você é aquele lá do ‘sabia não’, é?”

O jogador ficou furioso. A referência de Mano era a uma famosa entrevista que marcou muito a carreira de Marinho – e foi decisiva para a mudança de personalidade que começaria a ganhar forma a partir dali. Ainda pelo Ceará, ao sair de campo depois de tomar cartão na comemoração de um gol, o atleta foi informado por um repórter de que aquele havia sido o terceiro amarelo – e que, portanto, ele estava suspenso.

– Tô? – reagiu Marinho. – Que merda. Sabia, não.

O vídeo viralizou. Varreu a internet, ganhou os programas de televisão, foi musicado como se fosse um samba. Virou meme. E Marinho, de pronto, não soube como reagir. Apesar de boas partidas por Náutico e Ceará, nenhum momento havia lhe rendido tanta fama quanto aquele. No início, ele tentou não se importar muito – até gravou um vídeo, no dia seguinte, assistindo à entrevista em uma sala do próprio Ceará, visivelmente constrangido.

Só que, com o passar dos dias, Marinho decidiu que não era aquilo que ele queria: que não desejava ser visto como uma figura engraçada, e sim como um jogador talentoso. A ida para o Cruzeiro era a grande chance de aparecer mais em campo do que na entrevista. E por isso a frase de Mano Menezes o chateou tanto, a ponto de ele dizer no ano passado, em entrevista ao canal Desimpedidos:

– É um cara que não tenho vontade nenhuma de trabalhar. Foi o pior treinador que já peguei. Não porque eu não jogava, mas pelo fato de não respeitar o atleta como merece.

Marinho pelo Cruzeiro - Washington Alves/Light Pres

Marinho pelo Cruzeiro – Washington Alves/Light Pres

Aquele era um momento em que Marinho tateava para se tornar uma figura mais impositiva – muitas vezes, se atrapalhando nas tentativas. No Náutico, um ano antes, ele havia participado com outros jogadores de uma espécie de greve por causa de salários atrasados.

O elenco se negou a treinar, e parte dos atletas foi à praia de Boa Viagem jogar futevôlei. Marinho era um deles. No dia seguinte, ao ver sua foto estampada em uma reportagem de jornal, ficou indignado. Ao chegar ao treino, subiu em uma bicicleta e pedalou na direção do repórter que havia assinado o texto. Largou a bicicleta em cima do jornalista e ficou cara a cara com ele. “Você é moleque”, disse, antes de entrar para o campo.

Marinho nos tempos de Náutico - Aldo Carneiro / Pernambuco Press

Marinho nos tempos de Náutico – Aldo Carneiro / Pernambuco Press

Com o tempo, ele também foi criando uma identidade com as tatuagens que espalhava pelo corpo (no Goiás, foi apelidado de Prince por ter uma coroa no pescoço muito parecida com a de Kevin-Prince Boateng, ex-jogador de clubes como Milan e Barcelona) e com as roupas extravagantes que vestia.

– O Marinho chegou aqui no Ceará com toda sua personalidade, a começar pelo modo de se vestir. Era tímido, porém com personalidade forte. Ele buscava se vestir de um jeito bem diferente e não tava nem aí se o pessoal gostava ou não. É um cara de coração enorme. E é um líder técnico dentro de campo, o que faz com que as pessoas comecem a esperar dele uma liderança a mais – comenta o meia Ricardinho, do Ceará.

Essa liderança ganharia forma no Vitória, para onde Marinho seria emprestado depois de fazer apenas 12 jogos pelo Cruzeiro – só dois com Mano Menezes.

– A primeira liderança é técnica. Depois, vem a liderança de falar. Quando você é líder técnico, quando você se garante dentro de campo, o grupo começa a te respeitar. Lembro bem disso: achavam que o Marinho era meio burro, tiravam onda com ele. Foi uma mudança de postura, e ela aconteceu justamente no Vitória. No Cruzeiro, não levavam muito a sério, era meme, aquela entrevista no Ceará. No Vitória, ele falava no intervalo, falava no final do jogo, ia dar dura nos caras lá atrás. Ali, começou a ter um papel de líder comunicativo. Essa foi a mudança. Ele amadureceu. O Vitória fez ele virar jogador – diz Argel Fuchs.

Marinho comemora triunfo do Vitória sobre o Coritiba em 2016 - Giuliano Gomes/PR Press

Marinho comemora triunfo do Vitória sobre o Coritiba em 2016 – Giuliano Gomes/PR Press

E foi essa mudança que levou Marinho, naquele jogo festivo de Zico no Maracanã, a ser um dos jogadores mais desejados do futebol brasileiro. Lá, ele não era mais um meme. As portas estavam abertas para mais uma chance entre os principais clubes do país. Mas ainda seria preciso esperar.

O HIATO

Marinho foi para a China no começo de 2017, após semanas de negociações que chegaram a incomodar o Vitória. Dos clubes interessados nele (Grêmio, Santos e Botafogo eram os outros), o Flamengo foi quem esteve mais próximo de fechar negócio. Mas a entrada da China nas tratativas derrubou as chances dos concorrentes brasileiros.

O jogador tinha acabado de ser pai. Alícia, hoje com quatro anos e meio, havia nascido na metade de 2016. E os chineses ofereciam mais dinheiro. Marinho foi. Por um ano e meio, interrompeu a ascensão que vivia no Brasil para garantir a independência financeira.

Marinho com a filha, Alícia - Arquivo pessoal

Marinho com a filha, Alícia – Arquivo pessoal

No Changchun Yatai, teve uma passagem regular, com 22 jogos e três gols. Foi importante para evitar o rebaixamento do clube em 2017. E viveu a primeira experiência internacional – tentou, como pôde, se aproximar dos chineses, inclusive se convencendo a jamais rejeitar a comida que lhe fosse oferecida. Mas sempre soube que logo voltaria ao Brasil.

Marinho pelo Grêmio: passagem pouco marcante - Lucas Uebel/Grêmio

Marinho pelo Grêmio: passagem pouco marcante – Lucas Uebel/Grêmio

E foi via Renato. O treinador manteve o jogador no radar e no meio de 2018, dez anos depois de lançá-lo no Fluminense, finalmente conseguiu voltar a trabalhar com ele. Tinha tudo para dar certo: o Grêmio vinha de títulos da Copa do Brasil (2016) e da Libertadores (2017), e um jogador com a velocidade de Marinho poderia casar à perfeição com Everton Cebolinha, que começava a explodir como novo destaque do time.

Só que, mais uma vez, não aconteceu como esperado. Marinho foi bem recebido pelo elenco, recebeu confiança do treinador, pegou o clube em bom momento – mas não houve encaixe. Internamente, ele admitiu a jogadores que tinha dificuldade em entender o funcionamento da equipe, recheada de atletas com alta capacidade de compreensão tática.

Com isso, 2018 se arrastou sem que Marinho se destacasse. Ele foi titular em apenas quatro jogos. Fez somente um gol. E, para piorar, cometeu um erro: no fim do ano, gravou um vídeo se oferecendo para jogar no Flamengo.

Nas imagens, ele dizia que o clube carioca deveria procurar o Grêmio para tentar um empréstimo. Falava que iria “na hora”. A gravação, claro, irritou a torcida e incomodou a diretoria. Marinho se desculpou: disse que era uma brincadeira com um amigo rubro-negro. Mas o estrago estava feito, e o clube quase o envolveu em uma troca com o goleiro Everson, então no Ceará.

Marinho acabou se reapresentando ao Grêmio, foi defendido por Renato e ganhou uma sobrevida em Porto Alegre. Até teve uma sequência como titular, mas logo sumiu novamente do time. Em maio de 2019, foi finalmente envolvido em uma troca: rumou para o Santos, que mandou o zagueiro David Braz e cerca de R$ 4 milhões para o clube gaúcho.

A METAMORFOSE

Marinho foi anunciado pelo Santos no dia 25 de maio de 2019. E o anúncio foi feito com… o meme da entrevista dos tempos de Ceará. De certa forma, o jogador já chegou ao novo clube enfrentando aquilo que ele mais rejeitava: a sobreposição da piada ao atleta.

Santos usa meme de Marinho para anunciar contratação - Reprodução

Santos usa meme de Marinho para anunciar contratação – Reprodução

Isso logo teria novos episódios. Quando fez o primeiro gol pelo Santos, contra o Botafogo, no Rio, Marinho apelidou o chute de “minimíssil aleatório”. A frase, novamente, viralizou – e parece ter incomodado Marinho, porque no jogo do returno contra o mesmo Botafogo, ao ser convidado a apelidar mais um gol marcado, o jogador respondeu assim:

– Hoje não vou dar nome para esse gol, não. Gol é gol, é o trabalho que venho fazendo. Muita gente me conhece só por meme. Vocês têm de começar a olhar um pouquinho pra mim como jogador de futebol, porque sou bom pra c…, entendeu?

Aquele foi o quarto gol de Marinho pelo Santos. Ocorreu em uma goleada de 4 a 1 sobre o Botafogo, quando ele estava consolidado como titular de Jorge Sampaoli, um treinador que, por melhor que ele jogasse, costumava lhe dizer que não era suficiente, que daquele jeito ele não teria lugar no time, que ele deveria oferecer mais, sempre mais.

Para Marinho, naquele momento, acontecia a alquimia que ele tanto havia buscado: ele ganhava importância, ganhava voz, ganhava protagonismo – e em um clube do primeiro escalão nacional. No Santos, ele finalmente revivia o que havia alcançado no Vitória, um pouco no Ceará, um pouco no Náutico, mas não no Fluminense, não no Inter, não no Cruzeiro, não no Grêmio. Naquele momento, Marinho queria, mais do que nunca, ser levado a sério.

E foi o que aconteceu. No Santos, Marinho conseguiu conciliar qualidade técnica e imposição pessoal. Quando os salários ficaram atrasados, ele cobrou publicamente o presidente do clube. Quando jogadores ameaçaram deixar a Vila Belmiro, firmou pé e disse que ficaria. Virou um líder.

– O Marinho assumiu um papel dentro do elenco, de liderança, que não sei se tinha em outros clubes. Sempre vimos o Marinho com muita brincadeira, zoação em cima dele, e hoje vemos responsabilidade e exemplo para os demais – disse o técnico Cuca quando retornou ao Santos, no ano passado.

Marinho cria identificação com o Santos e vira líder do elenco - Ivan Storti/Santos

Marinho cria identificação com o Santos e vira líder do elenco – Ivan Storti/Santos

Marinho também ganhou voz em causas sociais, sobretudo raciais. E, em grande parte, por ter sido vítima de racismo.

Aconteceu em julho do ano passado. Depois de um jogo contra o Bragantino, em que Marinho foi expulso ainda no primeiro tempo, o comentarista Fabio Benedetti, então na rádio Energia 97 FM, afirmou que, se tivesse oportunidade, diria a Marinho que ele é burro, que ele está “na senzala”.

Marinho viu o vídeo quando chegou em casa. E decidiu que iria se posicionar. Sua primeira reação foi postar uma foto com a filha no colo – “negra como eu”, escreveu. E depois gravou um vídeo, chorando, em que chama os racistas de “preconceituosos, vermes”.

Desde então, Marinho, o sujeito que não tinha boca para nada no começo da carreira, diz que tem uma nova missão: dar voz àqueles que são silenciados. No mês passado, quando um garoto de 11 anos vítima de injúria racial foi convidado a visitar o Santos, o jogador lhe ofereceu conselhos e parafraseou o que o rapper Mano Brown, torcedor santista, havia dito em 2019, ao lançar um uniforme do clube inspirado na luta antirracista: “Enquanto um negro ousar quebrar o sistema com a bola no pé, o Santos viverá”.

E, conforme se fortalece fora de campo, Marinho vai jogando seu melhor futebol. Vice-artilheiro do Brasileirão, com 15 gols, ele soma outros quatro na Libertadores. É o principal nome do Santos na temporada – e colhe aquilo que plantou há quase um ano, quando o futebol parou por causa da pandemia e ele, isolado em uma casa na Bahia, decidiu que aproveitaria o período sem jogos para se preparar como nunca. Treinou todos os dias, criou uma rotina diária de cerca de 100 cobranças de faltas, colocou na cabeça que arrebentaria. E marcou 22 gols em 36 partidas desde a volta das competições.

Agora tudo desemboca nesta quarta-feira, às 19h15, na Vila Belmiro. Marinho, metamorfoseado, tentará levar o Santos à final da Libertadores – para então, no dia 30 de janeiro, às 17h, pisar no Maracanã para viver uma partida que nem o menino de Penedo poderia imaginar.

Marinho, aos 30 anos, tenta levar o Santos à final da Libertadores - Ivan Storti/Santos

Marinho, aos 30 anos, tenta levar o Santos à final da Libertadores – Ivan Storti/Santos

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GE – Globo Esporte.

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