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Rogerio Palermo: Os cuidados ao se adquirir imóveis em construção

Como proceder quando a incorporadora não institui e não registra o patrimônio de afetação, colocando em risco o adquirente e o proprietário do terreno?

Rogerio Palermo: Os cuidados ao se adquirir imóveis em construção
Rogerio Palermo: Os cuidados ao se adquirir imóveis em construção

Redação Publicado em 14/03/2022, às 00h00 - Atualizado às 14h43


Como proceder quando a incorporadora não institui e não registra o patrimônio de afetação, colocando em risco o adquirente e o proprietário do terreno?

A indústria imobiliária é uma das grandes fomentadoras de riquezas para o país.

O foco do artigo estará restrito ao patrimônio de afetação na incorporação imobiliária.

Em passado não tão distante, muitos de nós, se recordam dos males, que a falência da Encol, à época, a maior construtora do Brasil, causou há milhares de adquirentes, bem como para os proprietários dos terrenos, sem falarmos do abalado a credibilidade do mercado imobiliário.

A tragédia da Encol, se é que assim possamos definir, descortinou a necessidade de a legislação evoluir no sentido de melhor proteger os adquirentes de imóveis e dos proprietários dos terrenos, destinados à incorporação imobiliária.

Neste cenário foi promulgada a Lei no. 10.931/04, que criou o patrimônio de afetação. A mencionada lei consiste na separação do terreno, direitos e deveres a ele vinculados, do patrimônio do incorporador, com natureza de direito real.

A Lei, certamente, não é perfeita, aliás como nenhuma outra, mas indiscutivelmente, foi um grande avanço.

A impenhorabilidade do patrimônio de afetação não é oponível quanto as dívidas da própria incorporação, ou seja, ainda que o adquirente tenha pago o preço do imóvel para a incorporadora, poderá ser responsabilizado pelas dívidas da própria incorporação no caso de insolvência, falência ou de afastamento pelos condôminos da mesma do cargo de incorporador, pelos condôminos.

Neste aspecto as decisões judiciais variam a cerca da exata abrangência de “dívidas da própria incorporação”, ficando a cargo do magistrado proceder a interpretação no caso em concreto.

Dado o caráter social e coletivo das incorporações imobiliárias a interpretação deve ser no sentido de protegê-la e aos seus integrantes, ainda que em detrimento do interesse privado, quando necessário.

Importante, ainda destacar, que no caso de destituição da incorporadora pelos condôminos ou falência da mesma, as dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas, deverão ser por eles pagas, sob pena do patrimônio de afetação perder a eficácia.

Certamente, que dependendo do valor das dívidas, as quais a massa condominial terá que arcar, o prosseguimento da construção poderá ficar inviabilizado.

Sem embargo da importância dos créditos previdenciários, trabalhistas e tributários, penso que, tratando-se de uma incorporação imobiliária os mesmos deveriam gozar de um regime especial de pagamento a ser estudado, de forma que os condôminos possam se organizar e o negócio seja preservado.

Porém, o que mais incomoda com relação a legislação acima, sem embargo dos inúmeros benefícios, que a mesma trouxe para os consumidores, adquirentes de imóveis, principalmente na planta, proprietários de terreno, bem como para a segurança jurídica e credibilidade do mercado imobiliário, diz respeito ao fato de que a instituição e o registro do patrimônio de afetação, depende da iniciativa exclusiva do incorporador, o qual por qualquer motivo, pode não se interessar em assim proceder, situação que deixará os adquirentes e o proprietário do terreno descobertos.

Penso que, caso o patrimônio de afetação, não seja instituído pelo incorporador em prazo razoável, a legislação deveria abrir as portas para vestir os interessados de legitimidade, para no lugar da incorporadora, instituir e registrar o mesmo.

A alternativa, enquanto a legislação não seja alterada, ainda que, não a ideal, seria negociar com o incorporador, quando da assinatura dos contratos, a inserção da cláusula em que o mesmo se obriga a instituir e registrar o patrimônio de afetação em determinado período de tempo.

A referida cláusula poderá propiciar a parte interessada executar a obrigação, sob pena de multa, caso não seja a mesma cumprida. Acho pouco provável, que a incorporadora concorde em introduzir a mencionada cláusula. Os contratos na maioria das vezes são de adesão e permitem muito pouca flexibilização.

O fato é que neste ponto a legislação carece de alteração.

A posição do proprietário do terreno, que na maioria das vezes aceita receber o preço do bem, através da promessa de entrega de unidades a serem construídas no próprio local, goza ele do mesmo tratamento jurídico do compromissário comprador, porém vale destacar, ainda, a proteção do artigo 40 da Lei no. 4591/64, que lhe permite, em caso de rescisão do contrato de alienação, rescindir as promessas de cessão, conforme lição do ilustre jurista, Caio Mário Pereira da Silva, Condomínio e Incorporações, RJ, Forense, 3ª. edição, p. 251.

Na prática a solução acima é de difícil execução.

O mais adequado para a proteção dos interesses do proprietário do terreno é o seguro ou fiança bancária. Caso o proprietário do terreno não receba as unidades, na forma e nos prazos contratados, estará devidamente abastecido das garantias suficientes visando indenizá-los dos prejuízos relacionados a inadimplência da incorporadora.

Infelizmente, as incorporadoras na maioria das vezes travam a mencionada alternativa, sob a alegação da elevação dos custos, porém a verdade é outra. O risco para as Instituições Financeiras é demasiadamente alto e estas acabam não aceitando contratar.

A solução, muitas das vezes adotada, é a garantia hipotecária.Claro, que é melhor do que nada, mas entendo que ainda não seja a ideal.

Em caso de quebra da incorporadora, insolvência, ou mesmo tratando-se de execução singular, formalizado o concurso de credores, os créditos de natureza privilegiada, tais como, os previdenciários, trabalhistas e os tributários, serão pagos na frente do crédito hipotecário, ou seja, pode não sobrar nada para o proprietário do terreno.

Enfim, o tema aqui tratado é instigante e seria impossível aqui esgotá-lo.

Espero, que este humilde operador do direito, possa ter contribuído com algo de positivo para o aperfeiçoamento da legislação e da indústria imobiliária.

Rogério Auad Palermo, é advogado e especialista em direito imobiliário

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