A cidade de São Paulo teve um aumento de 66% nas vendas de bicicleta em 2020 em relação a 2019, de acordo com a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). O número é 16 pontos percentuais acima da média nacional, de 50%.

De acordo com especialistas e ciclistas, a alta das vendas está relacionada à pandemia de coronavírus, e o perfil dos novos consumidores de bicicleta pode ser dividido em três tipos:

  • aqueles que passaram a usá-la como meio de transporte, para evitar a aglomeração no transporte público;
  • aqueles que começaram a pedalar como forma de praticar atividade física, já que as academias ficam fechadas em algumas fases da pandemia;
  • e outros que passaram a usar a bicicleta como forma de lazer.

A circulação menor de carros durante a pandemia também deixou os ciclistas mais seguros, contribuindo para o uso mais regular das bicicletas na cidade.

Elas, aliás, têm se mostrado tão democráticas que até quem acredita não ter condicionamento físico para pedalar pode adotar um modelo elétrico ou híbrido. É o caso do fotógrafo Vitor Manon, de 28 anos, que vendeu o carro no começo da pandemia e passou a usar uma bicicleta para se locomover na cidade.

“A venda do carro foi muito por conta da redução de gastos na pandemia. Minha bike é híbrida, ou seja, ela tem funcionamento com assistência para pedalar. Escolhi a elétrica por conta do meu sobrepeso. Eu não tinha fôlego para aguentar muitas ruas de São Paulo em uma bike convencional, então ela me ajudou muito”, conta.

“Além da mobilidade, mudei bastante meu estilo de vida e até comecei a emagrecer desde então. Além de transporte virou também uma prática para movimentar o corpo. É bem nítida a mudança nesse meio-tempo”, completa o fotógrafo.

Vitor não está sozinho. A categoria de bicicletas que mais tem crescido em produção é a elétrica, de acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo).

Foram 1.436 unidades produzidas em fevereiro deste ano contra 182 em janeiro, o que representa um crescimento de 689%. Na comparação com o mesmo mês de 2020, o aumento foi de 101,1%. Na ocasião, foram fabricadas 714 bicicletas da categoria elétrica.

O fotógrafo Vitor Manon, que se tornou adepto da bicicleta durante a pandemia — Foto: Raphael Savelkoul/Divulgação

O fotógrafo Vitor Manon, que se tornou adepto da bicicleta durante a pandemia — Foto: Raphael Savelkoul/Divulgação

Bikes compartilhadas

O número de usuários ativos de bicicletas compartilhadas também aumentou no primeiro ano de quarentena em São Paulo. A alta foi de 150% de abril a novembro de 2020, de acordo com a Tembici.

São considerados usuários ativos aqueles que mantêm um plano com a Bike Itaú. É o caso da geóloga Heloisa Improta Dias, de 30 anos, que mora no bairro Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital.

“Eu sempre fui muito ativa, fisicamente falando. Como as academias fecharam, eu comecei a procurar outra forma de conseguir me exercitar. Perto da minha casa existe uma ciclovia e um ponto das bikes, então foi uma alternativa muito viável. Sempre pedalo de máscara e higienizo a bike com álcool antes de subir”, conta ela.

Heloísa começou a usar a bicicleta compartilhada nas horas de lazer, mas acabou tomando gosto.

“Quando as coisas começaram a reabrir, utilizei a bicicleta para ir ao trabalho nos dias que não estava em home office. E quando as academias reabriram, eu comecei a ir para a academia de bike! Não parei mais, pois acabou virando um hábito. E, além disso, com o alto preço da gasolina, é muito prático e barato”, afirma.

A geóloga afirma que só não comprou uma bicicleta porque ainda não teve verba para isso.

“Eu tenho vontade, sim, de comprar uma. Porém, no momento, a condição financeira não me permite. Então, vamos de bike compartilhada!”

A pesquisa da Tembici feita no período de abril a novembro de 2020 também revelou que:

  • Cada viagem dura em média 31 minutos e percorre 5km;
  • 73% das viagens foram feitas em dias de semana e as outras 27%, durante o final de semana;
  • Foram 816 toneladas de CO2 economizados no período, mais de 60 milhões de minutos pedalados mais de 11 milhões de quilômetros percorridos – uma distância suficiente para dar 275 voltas na Terra.
A geóloga Heloísa Improta Dias, que se tornou usuária ativa de bicicletas compartilhadas na pandemia — Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

A geóloga Heloísa Improta Dias, que se tornou usuária ativa de bicicletas compartilhadas na pandemia — Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Falta de insumos

Na contramão da tendência de crescimento de vendas, o número de bicicletas produzidas no Brasil diminuiu em 2020. De acordo com dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares – Abraciclo, foram produzidas 665.186 bicicletas em 2020.

O volume de 2020 foi 27,7% menor que o fabricado em 2019, que teve 919.924 bicicletas produzidas. O desempenho também ficou abaixo da projeção apresentada pela Abraciclo em outubro. A perspectiva era de produzir 736.000 bicicletas. Em 2021, a associação espera produzir 750 mil unidades, um volume 12,8% maior.

O desafio para aumentar a produção é a falta de peças e insumos, de acordo com a associação. A queixa é a mesma dentre os lojistas da Aliança Bike desde agosto do ano passado. A falta de peças começou a afetar o setor após o pico de vendas em julho, que teve alta de 118% no volume de vendas em relação ao mesmo mês de 2019. Na época, os clientes chegaram a esperar meses e até um ano por uma bicicleta.

Um modelo montado no Brasil tem 90% de seus componentes vindos do mercado asiático, de países como China, Taiwan e Indonésia. Esses países tiveram atraso na produção industrial porque fecharam por alguns meses em 2020, com a pandemia, e depois voltaram a funcionar com a demanda quadruplicada, de acordo com o diretor da Aliança Bike, Daniel Guth.

“A partir de agosto manteve-se aumento da demanda e crescimento das vendas, mas o próprio setor passou a ter dificuldade de fornecer por causa do volume de procura. As fabricantes priorizaram o mercado doméstico, europeu e americano, que consomem e pagam melhor. O Brasil teve menos prioridade e até hoje não está normalizado. Os estoques foram acabando, a procura continuou alta, e o mercado não deu conta. Mesmo assim as vendas foram 50% maiores no Brasil em comparação com o ano de 2019. Foi um ano muito bom”, afirma.

Em 2021, a procura continua alta apesar das bicicletas terem ficado mais caras, de acordo com Guth, e a o problema de falta de componentes continua. “Houve aumento de preços porque tivemos alta do dólar e o frete marítimo quadruplicou de preço. Mesmo assim as pessoas continuam procurando.”

O Brasil tem 8.936 lojas de bicicleta ativas. Dessas, 1.977 estão no estado de São Paulo. De acordo com a Aliança Bike, a capital possui 312 lojas de bicicletas, que geram 589 empregos diretos e 1.760 empregos indiretos.

Ciclistas lotam a ciclovia da Avenida Paulista, esquina com a rua da Consolação, na região central de São Paulo em setembro de 2020. — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1

Ciclofaixas

Em paralelo ao crescimento de vendas de bicicletas, a prefeitura da capital seguiu investindo em ciclofaixas. Em 2020, a gestão disse que cumpriu 80% da promessa de ampliação da malha cicloviária da cidade. No biênio 2019-2020 foram construídos 139 km de novas ciclofaixas e ciclovias dos 173 km prometidos.

Foram iniciadas as obras das ciclofaixas da Avenida Rebouças e da Avenida Henrique Schaumann, na Zona Oeste da cidade, e da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na Zona Sul, por exemplo. Até 2028, a promessa do prefeito Bruno Covas (PSDB) é de criar mais 1.420 km de ciclovias na cidade.

De acordo com o diretor da Aliança Bike, Daniel Guth, o crescimento das vendas e do uso de bicicleta na cidade depende de políticas públicas que trazem segurança para os usuários.

“O crescimento é um fenômeno que pode ter acontecido também porque as pessoas experimentaram a bicicleta e incorporaram isso no cotidiano. E aí fica uma questão: as pessoas vão de fato levar a bicicleta para suas vidas depois da quarentena? Vão continuar usando a bicicleta como atividade física, vão usar para ir para o trabalho?”, questiona.

“O que se está fazendo nesse contexto, estão investindo em ciclofaixas, há incentivo fiscal como na França e Alemanha? O Brasil, infelizmente, não soube aproveitar a boa onda do mercado de bicicletas e não investiu em políticas públicas. A Prefeitura de São Paulo continuou o plano de expansão de ciclovias, com atraso, mas pelo menos continuou. Mas não sou tão otimista”, afirma.

A cidade de São Paulo possui atualmente 666,1 km de vias com tratamento cicloviário permanente, sendo 634,5 km de ciclovias ou ciclofaixas e 31,6 km de ciclorrotas, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

Para usufruir da integração modal o ciclista conta com 7.192 vagas em 72 bicicletários e 802 vagas em 29 locais com paraciclos, integrados ao sistema de transporte da cidade de São Paulo, segundo a CET. Até 2028, a Prefeitura da capital pretende para criar mais 1.420 km de ciclovias na cidade.

Para Guth, que é ciclista ativo na cidade e costuma pedalar com o filho Davi, uma das coisas que falta nas ciclovias de São Paulo é fazer conexões da periferia com o Centro.

“Temos problemas crônicos de conexão porque a cidade privilegiou vias expressas e a cidade cresceu com base no automóvel. Corrigir esse erro histórico é uma tarefa que precisamos executar. É necessário colocar ciclovias em pontes, viadutos, avenidas centrais. Por mais que estejamos ampliando muito, ainda falta fazer de forma completa as conexões, especialmente da Zona Leste, que não há nenhuma conexão com a região central”, opina.

Daniel com, o filho, Davi, pedalam pela cidade de São Paulo — Foto: Arquivo Pessoal

Daniel com, o filho, Davi, pedalam pela cidade de São Paulo — Foto: Arquivo Pessoal

Em março do ano passado, o prefeito Bruno Covas (PSDB) sancionou a Lei 17.322, que cria a Política Municipal de Ciclologística, mas ela ainda não foi regulamentada.

A lei municipal prevê, por exemplo, que edifícios privados comerciais e edifícios públicos que possuírem bicicletários permitam o uso para parada rápida, durante horário comercial, por entregadores enquanto realizarem entrega no estabelecimento.

“Entregadores normalmente não podem usar a estrutura da garagem do prédio. A lei torna o uso desses espaços possível para entregadores. Isso é importante porque os entregadores são serviço essencial, ainda mais na pandemia”, afirma Daniel.

A lei também estabelece que aumente a oferta de bicicletários na cidade.

“As pessoas só saem de casa se souberem onde vão parar. Não dá para contar que todo mundo deixe na rua, no poste. A cidade diminuiu os bicicletários, foram desativados os dos metrôs Paraíso, Liberdade e Vila Madalena, por exemplo. Tem de virar uma política de espaço amplo”, opina.

Daniel tem visto progressos também nas vias da cidade destinadas a ciclistas.

“Tenho pedalado e sentido que a Prefeitura acerta em algumas estruturas que já estavam no mapa, como a Aricanduva, Jacu Pêssego, viaduto Pompeia, onde a execução está bem alinhada. Em outros casos tem problema de execução, as ciclovias ficaram muito estreitas e isso coloca em risco quem está pedalando ali. A política pública de forma geral tem sido feita, está avançando e isso e a questão principal. Podia ter mais cuidado porque estão repetindo erros do passado, mas também é nosso papel apontar os erros e cobrar a correção”, afirma.

A reportagem do G1 procurou a Secretaria de Mobilidade e Transportes da capital paulista e, até a última atualização desta reportagem, não recebeu resposta.

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Fonte: G1 – Globo.