por Rodrigo Sayeg
Publicado em 19/04/2023, às 08h46
Um dos temas recorrentes desta coluna é a pluralidade de ideias e o respeito à essa liberdadede expressão na medida em que enfrentamos uma mentalidade Fla x Flu que infelizmente permeia a nossa nação.
Porém, às vezes as pessoas acham que estão absolutamente certas, não permitindo se abrir para novos conceitos ou ideias, não importe qual seja a forma que é apresentada.
Até mesmo os números, que em tese seriam neutros, estão carregados política ou ideologicamente, não se encontrando uma neutralidade nestes.
Existia uma velha máxima que nós utilizamos sempre quando utilizamos figuras matemáticas ou estatísticas de que os “números não mentem”, sendo que efetivamente acreditamos que esta busca de dados irá desafiar nossas ideiaspreconcebidas.
Mas e se esses números nos mostrarem uma verdade que não concordamos? Qual seria sua reação caro leitor?
Se você hoje, ao ler este jornal, visse uma estatística que desafiasse tudo o que você acredita, seja sobre um líder político que você gosta; sobre um ideal que você defende; ou até mesmo sobre um jogador do time do seu coração que aparentemente, pelos números, está jogando muito bem, mas que você tem certeza de que é um “prego”, como você reagiria?
Conforme pesquisa científica publicada pela Universidade de Cambridge na revista Judgment and Decision Making, Vol. 15, No. 2, March 2020, pp. 203–213, cinco professores buscaram responder esta pergunta.
De acordo com o resultado da pesquisa, as pessoas que possuem maiores habilidades matemáticas são geralmente mais precisas na interpretação de dados numéricos.
Ocorre que, estes pesquisadores encontraram evidências que as pessoas podem usar suas habilidades numéricas para interpretar dados apenas se sua interpretação inicial entrar em conflito com sua visão de mundo.
Ou seja, se uma interpretação inicial, intuitiva (mas incorreta) dos dados matemáticos parece desconfirmar as crenças de alguém, então as habilidades numéricas são usadas para processar ainda mais os dados e chegar à interpretaçãocorreta.
Por outro lado, estas habilidades numéricas não são usadas em situações em que uma interpretação incorreta inicial dos dados matemáticos confirma as crenças de alguém. Ou seja, uma interpretação matemática motivada.
No aludido estudo, os participantes foram apresentados à vários problemas de dados, alguns com respostas corretas confirmando suas opiniões políticas e outros desconfirmando suas opiniões. A dificuldade desses problemas foi manipulada para examinar como as habilidades matemáticas influenciariam a taxa de respostas corretas em problemas mais fáceis versus mais difíceis.
A conclusão deste estudo: os resultados indicaram que os participantes eram mais propensos a responder aos problemas corretamente se a resposta correta confirmasse sua visão de mundo.
Caso não confirmasse suas opiniões políticas, os participantes eram mais propensos a responder de forma incorreta os problemas apresentados.
Esse padrão de resposta não dependia da dificuldade do problema ou da habilidade numérica, apenas da visão de mundo do participante, conforme a pesquisa apontou.
E este estudo não é único.
Em outro estudo realizado por professores de Direito e Psicologia da Universidade de Yale, a seguinte conclusão foi apresentada: mesmo diante de evidência numérica e estatística, pessoas com crenças políticas estabelecidas têm dificuldade de entender uma realidade que desafie suas convicções.
No experimento publicado em 2013, quando participantes foram apresentados com gráficos mostrando a eficiência de um creme antialérgico, eles conseguiram compreender e interpretar os números corretamente, entendendo o que o estudo comprovava.
Mas, quando o mesmo gráfico tratava de algo político sobre o qual esses mesmos participantes já tinham uma posição; como o efeito do porte de arma no aumento ou redução de crime; a eficácia da vacinação infantil; ou, os distúrbios climáticos, eles não conseguiam entender a matemática por de trás da teoria.
É caro leitor, não está fácil. Nossa mentalidadefla x flu está nos levando ao absurdo de interpretarmos “1 + 1 = você está errado e eu estou certo”. Essa sim é uma conta que devemos negar, ou correremos o risco de às vezes negar a própria verdade.
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Referências
Kahan, Dan M. and Peters, Ellen and Dawson, Erica and Slovic, Paul, Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government (September 3, 2013). Behavioural Public Policy, 1, 54-86, Yale Law School, Public Law Working Paper No. 307, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2319992 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2319992
Baker, S., Patel, N., Gunten, C., Valentine, K., & Scherer, L. (2020). Interpreting politically-charged numerical information: The influence of numeracy and problem difficulty on response accuracy. Judgment and Decision Making, 15(2), 203-213. doi:10.1017/S193029750000735X
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