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Crianças com “culpa no cartório”: Indignação nas redes sociais após declaração absurda de pastor sobre abuso sexual infantil

Jonas Felício Pimentel, pastor da Tabernáculo da Fé. - Imagem: Reprodução | Redes Sociais
Jonas Felício Pimentel, pastor da Tabernáculo da Fé. - Imagem: Reprodução | Redes Sociais
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 05/05/2024, às 06h00


Uma das maiores crueldades que se pode fazer a uma vítima de qualquer tipo de abuso/violência é colocar sobre ela o peso da culpa pelas ações de seu agressor. E foi exatamente isso que Jonas Felício Pimentel, pastor da Tabernáculo da Fé, em Goiânia, fez.

O líder religioso teria dito durante um dos cultos em sua congregação, que em alguns casos, crianças que sofreram abuso sexual são responsáveis pelo ocorrido e têm participação no crime. A afirmação foi feita pelo pastor enquanto comentava sobre o caso de uma criança de 5 anos, abusada sexualmente por seus primos. Felizmente, essa declaração polêmica, e absurda, não ficou oculta nos “lugares escuros” da igreja liderada por este senhor, graças às redes sociais.

“Existem situações que, quando acontece um abuso de uma criança, a criança é também culpada, porque ela deu lugar. Crianças também têm culpa, têm participação, mas não todos os casos. Eu quero deixar isso bem claro”, foi a frase dita pelo religioso e que causou revolta entre os internautas.

Ao defender que lugar de filhos é perto dos pais, e não em casas alheias, o pastor parece ignorar que, muitas vezes, os abusos acontecem na residência onde a criança vive com os pais, e o autor do crime, via de regra é um parente muito próximo, em muitos casos, os próprios genitores.

Quando afirma que os pais devem ter seus filhos sempre ao alcance dos seus olhos, salvo em situações imperativas, Pimentel parece ignorar a realidade da maioria das famílias das classes baixas e residentes nas periferias em que ambos os genitores trabalham fora na maior parte do tempo enquanto as crianças pequenas ficam nas creches e as demais em casa, sob cuidado de irmãos pouco mais velhos que elas próprias.

A culpa pelo abuso nada tem a ver com a criança, mas com vulnerabilidade e adultos oportunistas e criminosos.

A vítima de abuso sexual, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes, precisa ser acolhida em um ambiente de confiança em que possa falar de sua dor e receber atendimento especializado e suporte, a fim de lidar com seu sofrimento e conhecer e utilizar mecanismos de proteção e órgãos de apoio e proteção que lhes possa dar suporte e faça valer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Elas não precisam de ser culpadas pelo abuso que sofreram.

A Tabernáculo da Fé não é estreante em ocorrências polêmicas. Em 2021, um de seus líderes foi alvo de investigação por abuso e importunação sexual contra mulheres frequentadoras da igreja. O acusado, Joaquim Gonçalves Silva, falecido em decorrência da covid-19, negou as acusações, mas as vítimas teriam sido ameaçadas de maldição, caso revelassem o ocorrido.

Em nota, Pimentel desculpou-se, afirmando que sua intenção era apenas alertas pais e responsáveis a respeito dos riscos a que seus filhos estão expostos.

A sociedade não pode se calar diante da violência e dos abusos contra vulneráveis.

No Brasil, mais de 209 mil crianças foram abusadas entre os anos de 2015 a 2021, e o número cresceu nos anos seguintes; isso sem contar os casos de abuso na internet que cresceram cerca de 80%, chegando a 71 mil denúncias em 2023.

Nossas crianças precisam de proteção e que lhe sejam garantidos os direitos garantidos por lei, para sua proteção e amparo. A sociedade, o Governo, as igrejas, os profissionais, como professores, médicos e psicólogos não podem se omitir. É necessário denunciar todo e qualquer caso.

Nossas crianças precisam de nossa proteção. Não podemos nos calar.

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